Mestres da Poesia - Mário de Andrade

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Из серии: Mestres da Poesia #4
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Inspiração

"Onde ate na força do verão havia

tempestades de ventos e frios de crudelíssimos inverno”

Fr. Luis de Sousa

São Paulo! comoção de minha vida...

Os meus amores são flores feitas de original!...

Arlequinal!... Trajes de losangos... Cinza e ouro...

Luz e bruma... Forno e inverno morno...

Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...

Perfumes de Paris... Arys!

Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal!...

São Paulo! comoção de minha vida...

Galicismo a berrar nos desertos da América.

O trovador

Sentimentos em mim do asperamente

dos homens das primeiras eras...

As primaveras de sarcasmo

intermitentemente no meu coração arlequinal...

Intermitentemente...

Outras vezes é um doente, um frio

na minha alma doente como um longo som redondo...

Cantabona! Cantabona!

Dlorom...

Sou um tupi tangendo um alaúde!

Os Cortejos

Monotonias das minhas retinas...

Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Todos os sempres das minhas visões! "Bon giorno, caro".

Horríveis as cidades!

Vaidades e mais vaidades...

Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!

Oh! os tumultuários das ausências!

Paulicéia — a grande boca de mil dentes;

e os jorros dentre a língua trissulca

de pus e de mais pus de distinção...

Giram homens fracos, baixos, magros...

Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,

todos iguais e desiguais,

quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,

parecem-me uns macacos, uns macacos.

A escalada

(Maçonariamente.)

— Alcantilações!... Ladeiras sem conto!...

Estas cruzes, estas crucificações da honra!...

— Não há ponto final no morro das ambições.

As bebedeiras do vinho dos aplaudires...

Champanhações... Cospe os fardos!

(São Paulo é trono.) — E as imensidões das escadarias!...

— Queres te assentar no píncaro mais alto? Catedral?...

— Estas cadeias da virtude!.;.

— Tripinga-te! (Os empurrões dos braços em segredo.)

Principiarás escravo, irás a Chico-Rei!

(Há fita de série no Colombo,

O Empurrão na Escuridão. Film nacional.)

— Adeus lírios de Cubatão para os que andam sozinhos!

(Sono tré tustune per i ragazzini.)

— Estes mil quilos da crença!...

— Tripinga-te. Alcançarás o sólio e o sol sonante!

Cospe os fardos! Cospe os fardos!

Vê que facilidade as tais asas?

(Toca a banda do Fieramosca: Pa, pa, pa, pum!

Toca a banda da polícia: ta, ra, ta, tchim!)

És rei! Olha o rei nu!

Que é dos teus fardos, Hermes Pança?!

— Deixei-os lá nas margens das escadarias,

Onde nas violetas corria o rio dos olhos de minha mãe.

— Sossega. És rico, és grandíssimo, és monarca!

Alguém agora t'os virá trazer.

(E ei-lo na curul do vesgo Olho-na-Treva.)

Rua de São Bento

Triângulo.

Há navios de vela para os meus naufrágios!

E os cantares da uiara rua de São Bento...

Entre estas duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas, as minhas delícias das asfixias da alma!

Há leilão. Há feira de carnes brancas. Pobres arrozais! Pobres brisas sem pelúcias lisas a alisar!

A cainçalha... A Bolsa... As jogatinas...

Não tenho navios de vela para mais naufrágios! Faltam-me as forças! Falta-me o ar!

Mas qual! Não há sequer um porto morto!

“Can you dance the tarantella” — “Ach! Ya”.

São as califómias duma vida milionária

numa cidade arlequinal...

O Clube Comercial... A Padaria Espiritual...

Mas a desilusão dos sombrais amorosos

põe majoration temporaire, 100% nt!...

Minha Loucura, acalma-te!

Veste o water-proof dos tambéns!

Nem chegarás tão cedo

à fábrica de tecidos dos teus êxtases:

telefone: Além, 3991...

Entre estas duas ondas plúmbeas de casas plúmbeas,

vê, lá nos muito-ao-longes do horizonte,

a sua chaminé de céu azul!

O rebanho

Oh! minhas alucinações!

Vi os deputados, chapéus altos,

Sob o pálio vesperal, feito de mangas-rosas,

Sairem de mãos dadas do Congresso...

Como um possesso num acesso em meus aplausos

Aos salvadores do meu estado amado!...

Desciam, inteligentes, de mãos dadas,

Entre o trepidar dos táxis vascolejantes,

A rua Marechal Deodoro...

Oh! minhas alucinações!

Como um possesso num aceso em meus aplausos

Aos heróis do meu estado amado!...

E as esperanças de ver tudo salvo!

Duas mil reformas, três projetos...

Emigram os futuros noturnos...

E verde, verde, verde!...

Oh! minhas alucinações!

Mas os deputados chapéus altos,

Mudavam-se pouco a pouco em cabras!

Crescem-lhes os cornos, descem-lhes barbinhas...

E vi os chapéus altos do meu estado amado,

Com os triângulos de madeira no pescoço,

Nos verdes esperança, sob as franjas de ouro da tarde,

Se punham a pastar

Rente do Palácio do senhor presidente...

Oh! minhas alucinações!

Tietê

Era uma vez um rio...Porém os Borbas-Gatos dos uitra-nacionais esperiamente! Havia nas manhãs cheias de Sol do entusiasmoas monções da ambição...E as gigânteas vitórias!As embarcações singravam rumo do abismal Descaminho...Arroubos... Lutas... Setas... Cantigas... Povoar!Ritmos de Brecheret!... E a santificação da morte!Foram-se os ouros... E o hoje das turmalinas!... — Nadador! Vamos partir pela via dum Mato-Grosso?— Io! Mai!... (Mais dez braçadas. Quina Migone. Hat Stores. Meia de seda.)Vado a pranzare con la Ruth.

Paisagem n.° 1

Minha Londres das neblinas finas...

Pleno verão. Os dez mil milhões de rosas paulistanas.

Há neves de perfumes no ar.

Faz frio, muito frio...

E a ironia das pernas das costureirinhas

Parecidas com bailarinas...

O vento é como uma navalha

Nas mãos dum espanhol. Arlequinal...

Há duas horas queimou Sol.

Daqui a duas horas queima Sol.

Passa um São Bobo, cantando, sob os plátanos,

Um tralalá... A guarda-cívica! Prisão!

Necessidade a prisão

Para que haja civilização?

Meu coração sente-se muito triste...

Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas

Dialoga um lamento com o vento...

Meu coração sente-se muito alegre!

Este friozinho arrebitado

Dá uma vontade de sorrir!

E sigo. E vou sentindo,

À inquieta alacridade da invernia,

Como um gosto de lágrimas na boca...

Ode ao burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,

O burguês-burguês!

A digestão bem feita de São Paulo!

O homem-curva! o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,

É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!

Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!

Que vivem dentro de muros sem pulos;

E gemem sangues de alguns milréis fracos

Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês

E tocam o Printemps com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!

Fora os que algarismam os amanhãs!

Olha a vida dos nossos setembros!

Fará Sol? Choverá? Arlequinal!

Mas à chuva dos rosais

O êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!

Morte às adiposidades cerebrais!

Morte ao burguês-mensal!

Ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!

Padaria Suíça! Morte viva ao Adriano!

"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?

— Um colar... — Conto e quinhentos!!!

Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!

Oh! purée de batatas morais!

Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!

Ódio aos temperamentos regulares

Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!

Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,

Sempiternamente as mesmices convencionais!

De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!

Dois a doisl Primeira posição! Marcha!

Todos para a Central do meu rancor inebriante

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!

Morte ao burguês de giolhos.

Cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!

Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Tristura

"Une rose dans les ténèbres” Mallarmé

Profundo. Imundo meu coração...

Olha o edifício: Matadouros da Continental.

Os vícios viciaram-me na bajulação sem sacrifícios...

Minha alma corcunda como a avenida São João...

E dizem que os polichinelos são alegres!

Eu nunca em guisos nos meus interiores arlequinais!...

Paulicéia, minha noiva... Há matrimônios assim...

Ninguém os assistirá nos jamais!

As permanências de ser um na febre!

Nunca nos encontramos...

Mas há rendez-vous na meia-noite do Armenonville...

E tivemos uma filha, uma só...

Batismos do sr. cura Bruma;

água-benta das garoas monótonas...

Registei-a no cartório da Consolação...

Chamei-a Solitude das Plebes...

Pobres cabelos cortados da nossa monja!

Domingo

Missas de chegar tarde, em rendas,

 

e dos olhares acrobáticos...

Tantos telégrafos sem fio! .

Santa Cecília regorgita de corpos lavados

e de sacrilégios picturais...

Mas Jesus Cristo nos desertos,

mas o sacerdote no "Confiteor"... Contrastar!

— Futilidade, civilização...

Hoje quem joga?... O Paulistano.

Para o Jardim América das rosas e dos ponta-pés!

Friedenreich fez goal! Corner! Que juiz!

Gostar de Bianco? Adoro. Qual Bartô...

E o meu xará maravilhoso!...

— Futilidade, civilização...

Mornamente em gasolinas... Trinta e cinco contos!

Tens dez milréis? Vamos ao corso...

E filar cigarros a quinzena inteira...

Ir ao corso é lei. Viste Marília?

E Filis? Que vestido: pele só!

Automóveis fechados... Figuras imóveis...

O bocejo do luxo... Enterro.

E também as famílias dominicais por atacado,

entre os convenientes perenemente...

— Futilidade, civilização.

Central. Drama de adultério.

A Bertini arranca os cabelos e morre.

Fugas... Tiros... Tom Mix!

Amanhã fita alemã... de beiços...

As meninas mordem os beiços pensando em fita alemã...

As romas de Petrônio...

E o leito virginal... Tudo azul e branco!

Descansar... Os anjos... Imaculado!

As meninas sonham masculinidades...

Futilidade, civilização.

O domador

Alturas da Avenida. Bonde 3.

Asfaltos. Vastos, altos repuxos de poeira

Sob o arlequinal do céu ouro-rosa-verde...

As sujidades implexas do urbanismo.

Filets de manuelino. Calvícies de Pensilvânia.

Gritos de goticismo.

Na frente o tram da irrigação,

Onde um Sol bruxo se dispersa

Num triunfo persa de esmeraldas, topázios e rubis...

Lânguidos boticellis a ler Henry Bordeaux

Nas clausuras sem dragões dos torreões...

Mário, paga os duzentos réis.

São cinco no banco: um branco,

Um noite, um ouro,

Um cinzento de tísica e Mário...

Solicitudes! Solicitudes!

Mas... olhai, oh meus olhos saudosos dos ontens

Esse espetáculo encantado da Avenida!

Revivei, oh gaúchos Paulistas ancestremente!

E oh cavalos de cólera sangüínea!

Laranja da China, laranja da China, laranja da China!

Abacate, cambucá e tangerina!

Guardate! Aos aplausos do esfusiante clown.

Heróico sucessor da raça heril dos bandeirantes,

Passa galhardo um filho de imigrante,

Louramente domando um automóvel!

Anhangabaú

Parques do Anhangabaú nos fogaréus da aurora...

Oh larguezas dos meus itinerários...

Estátuas de bronze nu correndo eternamente,

num parado desdém pelas velocidades...

O carvalho votivo escondido nos orgulhos

do bicho de mármore parido no Salon...

Prurido de estesias perfumando em rosais

o esqueleto trêmulo do morcego...

Nada de poesia, nada de alegrias!...

E o contraste boçal do lavrador

que sem amor afia a foice...

Estes meus parques do Anhangabaú ou de Paris,

onde as tuas águas, onde as mágoas dos teus sapos?

“Meu pai foi rei!

— Foi. — Não foi. — Foi. — Não foi."

Onde as tuas bananeiras?

Onde o teu rio frio encanecido pelos nevoeiros,

contando histórias aos sacis?...

Meu querido palimpsesto sem valor!

Crônica em mau latim

cobrindo uma écloga que não seja de Virgílio!...

A caçada

A bruma neva... Clamor de vitórias e dolos...

Monte São Bernardo sem cães para os alvíssimos!

Cataclismos de heroísmos... O vento gela...

Os cinismos plantando o estandarte;

enviando para todo o universo

novas cartas-de-Vaz-Caminha!...

Os Abéis quase todos muito ruins

a escalar, em lama, a glória...

Cospe os fardos!

Mas sobre a turba adejam os cartazes de Papel e Tinta

como grandes mariposas de sonho queimando-se na luz...

E o maxixe do crime puladinho

na eternização dos três dias... Tripudiares gaios!...

Roubar... Vencer... Viver os respeitosamente, no cre-

[púsculo...

A velhice e a riqueza têm as mesmas cãs.

A engrenagem trepida... A bruma neva...

Uma síncope: a sereia da polícia

que vai prender um bêbedo no Piques...

Não há mais lugares no boa-vista triangular.

Formigueiro onde todos se mordem e devoram...

O vento gela... Fermentação de ódios egoísmos

para a caninha-do-O' dos progredires...

Viva virgem vaga desamparada...

Malfadada! Em breve não será mais virgem

nem desamparada!

Terá o amparo de todos os desamparos!

Tossem: O Diário! A Platea...

Lívidos doze-anos por um tostão

Também quero ler o aniversário dos reis...

Honra ao mérito! Os virtusosos hão-de sempre ser louvados

e retratificados...

Mais um crime na Moóca!

Os jornais estampam as aparências

dos grandes que fazem anos, dos criminosos que fazem

[danos...

Os quarenta-graus das riquezas! O vento gela...

Abandonos! Ideais pálidos!

Perdidos os poetas, os moços, os loucos!

Nada de asas! nada de poesia! nada de alegria!

A bruma neva... Arlequinal!

Mas viva o Ideal! God save the poetry!

— Abade Liszt da minha filha monja,

na Cadillac mansa e glauca da ilusão.

passa o Oswald de Andrade mariscando gênios entre a multidão!...

Noturno

Luzes do Cambuci pelas noites de crime...

Calor!... E as nuvens baixas muito grossas,

Feitas de corpos de mariposas,

Rumorejando na epiderme das árvores...

Gingam os bondes como um fogo de artifício,

Sapateando nos trilhos,

Cuspindo um orifício na treva cor de cal...

Num perfume de heliotrópios e de poças

Gira uma flor-do-mal... Veio do Turquestã;

E traz olheiras que escurecem almas...

Fundiu esterlinas entre as unhas roxas

Nos oscilantes de Ribeirão Preto...

— Batat’ assat'ô furnn!...

Luzes do Cambuci pelas noites de crime!...

Calor... E as nuvens baixas muito grossas,

Feitas de corpos de mariposas,

Rumorejando na epiderme das árvores...

Um mulato cor de ouro,

Com cabeleira feita de alianças polidas...

Violão. "Quando eu morrer..." Um cheiro pesado de

[baunilhas

Oscila, tomba e rola no chão...

Ondula no ar a nostalgia das Baías...

E os bondes passam como um fogo de artificio,

Sapateando nos trilhos,

Ferindo um orifício na treva cor de cal...

— Batat' assat’ô furnn!...

Calor!... Os diabos andam no ar

Corpos de nuas carregando...

As lassitudes dos sempres imprevistos!

E as almas acordando às mãos dos enlaçados!

Idílios sob os plátanos!...

E o ciúme universal às fanfarras gloriosas

De saias cor-de-rosa e gravatas cor-de-rosa!...

Balcões na cautela latejante, onde florem Iracemas

Para os encontros dos guerreiros brancos... Brancos?

E que os cães latam nos jardins!

Ninguém, ninguém, ninguém se importa!

Todos embarcam na Alameda dos Beijos da Aventura!

Mas eu... Estas minhas grades em girândolas de jasmins,

Enquanto as travessas do Cambuci nos livres

Da liberdade dos lábios entreabertos!...

Arlequinal! Arlequinal!

As nuvens baixas muito grossas,

Feitas de corpos de mariposas,

Rumorejando na epiderme das árvores...

Mas sobre estas minhas grades em girândolas de jasmins,

O estelário delira em carnagens de luz,

E meu céu é todo um rojão de lágrimas!...

E os bondes riscam como um fogo de artifício,

Sapateando nos trilhos,

Jorrando um orifício na treva cor de cal...

— Batat' assat’ô furnn!...

Paisagem nº 2

Escuridão dum meio-dia de invernia...

Marasmos... Estremeções... Brancos...

O céu é toda uma batalha convencional de confetti brancos;

e as onças pardas das montanhas no longe...

Oh! para além vivem as primaveras eternas!

As casas adormecidas

parecem teatrais gestos dum explorador do polo

que o gelo parou no frio...

Lá para as bandas da Ipiranga as oficinas tossem...

Todos os estiolados são muito brancos.

Os invernos de Paulicéia são como enterros de virgem...

Italianinha, toma al tuo paese!

Lembras-te? As barcarolas dos céus azuis nas águas

verdes...

Verde — cor dos olhos dos loucos!

As cascatas das violetas para os lagos...

Primaveral — cor dos olhos dos loucos!

Deus recortou a alma de Paulicéia

num cor de cinza sem odor...

Oh! para além vivem as primaveras eternas!...

Mas os homens passam sonambulando...

E rodando num bando nefário,

vestidas de eletricidade e gasolina,

as doenças jocotoam em redor.

Grande função ao ar livre!

Bailado de Cocteau com os barulhadores de Russolo!

Opus 1921

São Paulo é um palco de bailados russos.

Sarabandam a tísica, a ambição, as invejas, os crimes

e também as apoteoses da ilusão...

Mas o Nijinsky sou eu!

E vem a Morte, minha Karsavina!

Quá, quá, quá! Vamos dançar o fox-trot da desesperança,

a rir, a rir dos nossos desiguais!

Tu

Morrente chama esgalga,

Mais morta inda no espírito!

Espírito de fidalga,

Que vive dum bocejo entre dois galanteios

E de longe em longe uma chávena da treva bem forte!

Mulher mais longa

Que os pasmos alucinados

Das torres de São Bento!

Mulher feita de asfalto e de lamas de várzea,

Toda insultos nos olhos,

Toda convite nessa boca louca de rubores!

Costureirinha de São Paulo,

Ítalo-franco-luso-brasílico-saxônica,

Gosto dos seus crepusculares,

Crepusculares e por isso mais ardentes,

Bandeirantemente!

Lady Macbeth feita de névoa fina,

Pura neblina da manhã!

Mulher que és minha madrasta e minha mãe!

Trituração ascencional dos meus sentidos!

Risco de aeroplano entre Mogi e Paris!

Pura neblina da manhã!

Gosto dos teus desejos de crime turco

E das tuas ambições retorcidas como roubos!

Amo-te de pesadelos taciturnos,

Materialização da Canaã do meu Poe...

Never more!

Emílio de Menezes insultou a memória do meu Poe...

Oh! Incendiária dos meus aléns sonoros!

Tu és o meu gato preto!

Tu me esmagaste nas paredes do meu sonho!

Este sonho medonho!

E serás sempre, morrente chama esgalga,

Meio fidalga, meio barregã,

As alucinações crucificantes

De todas as auroras do meu jardim!

Paisagem nº 3

Chove?

Sorri uma garoa cor de cinza,

Muito triste, como um tristemente longo...

A casa Kosmos não tem impermeáveis em liquidação...

Mas neste largo do Arouche

Posso abrir meu guarda-chuva paradoxal,

Este lírico plátano de rendas mar...

Ali em frente... — Mário, põe a máscara!

— Tens razão, minha Loucura, tens razão.

O rei de Tule jogou a taça ao mar..

Os homens passam encharcados...

Os reflexos dos vultos curtos

Mancham o petit-pavé...

As rolas da Normal

Esvoaçam entre os dedos da garoa...

(E si pusesse um verso de Crisfal

No De Profundis?...)

De repente

Um raio de Sol arisco

Risca o chuvisco ao meio.

Colloque sentimental

Tenho os pés chagados nos espinhos das calçadas...

Higienópolis!... As Babilônias dos meus desejos baixos...

Casas nobres de estilo... Enriqueceres em tragédias...

Mas a noite é toda um véu-de-noiva ao luar!

A preamar dos brilhos das mansões...

O jazz-band da cor... O arco-íris dos perfumes...

O clamor dos cofres abarrotados de vidas...

Ombros nus, ombros nus, lábios pesados de adultério...

E o rouge — cogumelo das podridões...

Exércitos de casacas eruditamente bem talhadas...

Sem crimes, sem roubos o carnaval dos títulos...

Si não fosse o talco adeus sacos de farinha!

Impiedosamente...

— Cavalheiro... — Sou conde! — Perdão.

Sabe que existe um Brás, um Bom Retiro?

— Apre! respiro... Pensei que era pedido.

Só conheço Paris!

— Venha comigo então.

Esqueça um pouco os braços da vizinha...

— Percebeu, hein! Dou-lhe gorgeta e cale-se.

O sultão tem dez mil... Mas eu sou conde!

— Vê? Estas paragens trevas de silêncio...

 

Nada de asas, nada de alegria... A Lua...

A rua toda nua... As casas sem luzes...

E a mirra dos martírios inconscientes...

— Deixe-me por o lenço no nariz.

Tenho todos os perfumes de Paris!

— Mas olhe, em baixo das portas, a escorrer...

— Para os esgotos! Para os esgotos!

— ... a escorrer,

Um fio de lágrimas sem nome!...

Religião

Deus! creio em Ti! Creio na tua Bíblia!

Não que a explicasse eu mesmo,

Porque a recebi das mãos dos que viveram as iluminações!

Catolicismo! sem pinturas de Calixto!... As humildades...

No poço das minhas erronias

vi que reluzia a Lua dos teus perdoares!...

Rio-me dos Luteros parasitais

e dos orgulhos soezes que não sabem ser orgulhosos da

[Verdade;

e os mações, que são pecados vivos,

e que nem sabem ser Pecado!

Ohl minhas culpas e meus tresvarios!

E as nobilitações dos meus arrependimentos

chovendo para a fecundação das Palestinas!

Confessar!...

Noturno em sangue do Jardim das Oliveiras!...

Naves de Santa Efigênia,

os meus joelhos criaram escudos de defesa contra vós!

Cantai como me arrastei por vós!

Dizei como me debrucei sobre vós!

Mas dos longínquos veio o Redentor!

E no poço sem fundo das minhas erronias

vi que reluzia a Lua dos seus perdoares!...

“Santa Maria, mãe de Deus...”

A minha mãe-da-terra é toda os meus entusiasmos;

dar-lhe-ia os meus dinheiros e minhas mãos também!

Santa Maria dos olhos verdes, verdes,

venho depositar aos vossos pés verdes

a coroa de luz da minha loucura!

Alcançai para mim

a Hospedaria dos Jamais Iluminados!

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