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Читать книгу: «Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV», страница 11

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A veneração geral tributada á Egreja e cousas d'ella, contribuia, para ser muito poderosa a influencia do clero no governo do Estado, por isso o soberano não podia considerar-se completamente absoluto.

E havia uma hierarchia ecclesiastica bem organisada: arcyprestes —komosats; conegos —debterats; curas —kasis; vigarios —nefk-kasis; diaconos —diakons; e sub-diaconos —nefk-diakons.

Pero da Covilhan, cuja illustração e talento o elevavam muito acima do nivel moral do povo inculto, no meio do qual se via obrigado a viver, tornou-se dentro em pouco o apoio precioso dos principes, que se succediam no throno. Com repetidas instancias pedia ao imperador Alexandre lhe désse seu despacho, e a resposta ás cartas de D. João II; mas o Préste, respondendo sempre, que o mandaria á sua terra com muita honra, ia dilatando o cumprimento da promessa. E, dizendo mais, que não podia por emquanto prescindir da sua companhia, prezenteou Pero da Covilhan com uma vivenda principesca, vastas campinas e florestas, cavallos, mulas e gados, grande numero de vassallos, um senhorio immenso emfim.

A imperial munificencia pôz o nosso explorador na desconfiança, de que o soberano abexim procurava tenta-lo com benesses e regalias de grande senhor, e distrahi-lo do proposito de voltar á patria.

Tomou Pero da Covilhan pósse de seus dominios, mais por mostrar-se obediente ás deliberações imperiaes, do que pelo prazer de goza-los. Como, porém, tinha de viver na côrte, confiou ao cuidado de feitores a importante administração da sua casa.

Quantas vezes embrenhado em um bosque, deixando-se perder na obscuridade d'elle, parava a ouvir os ruidos profundos e melancolicos do espesso arvoredo, dos grandes seres insensiveis que o cercavam!..

Não eram accentuações distinctas; mas um murmurio confuso, como o de um povo, que celebra ao longe uma festa por acclamações, ou o de uma grande cidade tambem distante!..

E, quando á linguagem mysteriosa da floresta se unia o gorgeio magico do rouxinol, que do seu ninho endereçava saudações maviosas e votos reconhecidos ao Eterno, Pero da Covilhan abandonava a sua alma commovida ás gratissimas recordações da patria, e confiava aos inanimados companheiros da sua solidão os segredos ineffaveis do seu amor a Maria Thereza, engrandecido pelos desejos ardentes de a vêr!..

Que momentos de infinda saudade não seriam aquelles!..

A occiosidade repugnava ao espirito de Pero da Covilhan, e, como se via a miude consultado pelo imperador Alexandre sobre os negocios publicos, tratou de estudar a fundo os costumes e a historia do paiz.

Nos archivos dos conventos encontrou uma rica litteratura escripta em gheez, a par de missaes illuminados e coloridos com arte, mas sem desenho quasi e sem perspectiva.

Aquella lingua conservava já algumas fórmas archaicas. Dirivava-se o alfabeto ethiopico do das inscripções himyariticas, ás quaes os missionarios budhistas juntaram certo numero de signaes diacriticos para indicar as vogaes. Era uma influencia estrangeira, igualmente devida á intervenção da escriptura, que outr'ora ia da direita para a esquerda, ou de cima para baixo, como a maior parte das semiticas, e que tomou a direcção da grega, da esquerda para a direita.

O gheez foi substituido pelo tigreano, dialecto derivado mais proximo; e o amharico, mais afastado do arabe, com o seu vocabulario em grande parte tirado do gheez, tornou-se a lingua official, mas tendo a grammatica do agaou, tão aparentado com o egypcio antigo.

Não tardou, que Pero da Covilhan conhecesse melhor os monumentos litterarios dos abexins, do que o proprio clero e naturaes da terra, mas não fazia d'isso alardo, porque não tinha o irrisorio despejo dos pedantes. Todos lhe reconheciam a superioridade, sem elle a impôr; e a sua prudencia, a sua modestia, o seu respeito emfim ao soberano, ás leis e aos costumes do paiz, conquistaram-lhe tamanha estima, tal ascendencia no animo de toda a gente, que nobres e plebeus á porfia procuravam conhecer e servir o novo senhor. O seu procedimento, porém, tão regrado, de tão salutar exemplo para aquelles povos semi-civilisados concorreu, para que o Préste se lhe affeiçoasse ao ponto de dizer-lhe um dia: «Não posso dispensar-vos. Casai, e quando tiverdes filho ou filha, que nos deixeis em penhor, mandar-vos-ei com nossas cartas a Portugal. Quem nos vem buscar, mister nos ha; não é razão, que se retirem, nem nós os deixamos ir. E não vos agasteis, porque tendes em nós um amigo.»

Pero da Covilhan, a quem este discurso tão claro, quanto conciso, feriu profundamente no coração, apenas respondeu com imperturbavel serenidade: «Obedeço ás vossas determinações, pois para isso fui mandado á vossa presença pelo meu rei e senhor; e farei a diligencia por corresponder á vossa amisade.»

Não quiz evadir-se, podendo faze-lo. Mediu bem as consequencias d'esse passo. Preferiu, pois, tomar o partido, a que a necessidade o obrigava, tratou de casar-se, e não pensou mais, d'alli em diante, senão em que havia de acabar os seus dias n'aquelle captiveiro. Mandou dois homens seus, que se encorporassem nas caravanas do Egypto, fossem ao Cairo, e d'aqui trabalhassem por passar a Portugal, a fim de levarem a D. João II umas cartas, que lhes entregou.

Foi o Préste, quem escolheu a noiva de Pero da Covilhan. Muitas o queriam; mas coube a sorte a uma formosa morena de sangue real, chamada Helena. No dia do noivado receberam os conjuges riquissimos prezentes do imperador, mórmente sêdas da India, colchas da China, e arreios de cavallos.

Helena considerava-se a mais ditosa filha da Ethiopia. Sentada ao lado de Pero da Covilhan sobre uma alcatifa preciosissima da Persia, disse-lhe, tomando-o pela cintura, e fitando-o enlevada: «Ha muito, que suspirava por ser vossa!.. Como sou feliz!.. Agora para sempre ficaremos unidos, como as pedras na parede, e os corações no amor de Christo!.. A toutinegra não quer mais ao seu ninho, do que eu já quero á nossa casa!.. Os teus braços, amor meu, são como os ramos do daro, que dão doce abrigo; e os teus olhos, os luzeiros do céo, em que vou viver!.. Tu és o tronco do ulmeiro, e eu a vara da vide, que o buscava!.. Amo-te muito!.. muito!..»

Pero da Covilhan estava sonhando, acordado!.. Rolaram-lhe sobre a face duas lagrimas, que os labios ardentes de Helena enchugaram!..

Foi a primeira vez, que elle se viu chorar!..

– E porque chorava?!..

Pobre coração humano!..

XIII
REMATE

O casamento de Maria Thereza com Pero da Covilhan não repugnava a D. Leonor de Lencastre, a qual tinha até o presentimento, de que não viria a realizar-se. Além d'isso Maria Thereza, sempre muito briosa, havia de timbrar em progredir no estudo das sciencias, que cursaria na Universidade, e, comquanto a vehemencia do seu desejo de saber não apagasse a chamma do amor, que lhe incendiava o coração, amortece-la-ia ao menos. Depois a ausencia com arrefecer, e o tempo com gastar, eram no conceito da rainha remedios capazes, de debellar a enfermidade d'esse amor.

Talvez fosse uma illusão similhante pensamento, porque o maior incentivo do amor de Maria Thereza era a gloria de Pero da Covilhan, e esta não tardaria a engrinardar-lhe o nome. Assim o esperava Maria Thereza, e tinha para isso fundamento.

D. Leonor, porém, preferia illudir-se, a deixar de nutrir a esperança tambem de continuar a ver junto de si a meiga companheira das suas devoções, apenas ella completasse os seus estudos. E, como a formosa rainha era dotada de um espirito não só eminentemente religioso e caritativo, mas ao mesmo tempo illustradissimo e pratico, imaginem-se os primores de educação, dada por essa Senhora a Maria Thereza, que logo nos mais tenros annos revelou a sua intelligencia peregrina e uma docilidade encantadora!

Tal era, com effeito, o juizo que D. Leonor formava das singulares qualidades da sua donzella, que, tendo esta apenas dezeseis annos, a fazia já sua confidente, e com ella conversava frequentes vezes ácerca do seu vasto plano de beneficencia e fundação de casas religiosas, o qual havia traçado com o fim de collaborar, no desenvolvimento da prosperidade nacional, e na exaltação da fé catholica.

No meio das variadas e constantes distracções da côrte, a excelsa rainha não olvidava, um só instante, o desempenho da missão civilisadora, que a si propria impozéra. E, conhecendo as aptidões de Maria Thereza, teve sempre em vista eleva-la pela cultura do espirito, e aproveitar-lhe os recursos intellectuaes, para associa-la na execução das obras meritorias, que projectava.

Havia já fundado, ainda em vida de seu marido, um hospital, e junto d'elle uma povoação, que tomou o nome de Caldas da Rainha, para perpetua memoria da sua origem; mas não só mandou provêr aquelle estabelecimento do necessario para a sua sustentação, como obteve do páe de Lucrecia Borgia, o papa Alexandre VI, indulgencia plenaria para os enfermos, que lá fallecessem, muito embóra não houvessem contemplado o hospital em seus testamentos.

Não faltava assim a esmola do remedio para o corpo e para a alma, aos que fossem procurar allivio ás enfermarias da caridosa fundadora.

Maria Thereza partira effectivamente na companhia de seu tio para Lisboa, antes das festas de Evora, e foi frequentar a Universidade,9 a qual occupava as casas, de que lhe havia feito doação o infante D. Henrique, situadas acima da egreja de S. Thomé, contra o muro velho da cidade.

O novo estudante, com o seu habito talar mais curto do que o dos lentes, conforme prescrevia o Estatuto, a sua formosa cabeça, que ninguem suppunha fosse de mulher, o desembaraço de suas maneiras, e a gentileza do seu pórte, era alvo da sympathia publica no bairro das Escolas Geraes. As raparigas do sitio sabiam já a hora, a que elle passava para as aulas, ou saía a passeio, por isso esperavam-n'o á janella, e, ao vê-lo, iam-se-lhe os olhos no galante moço. Maria Thereza ignorava, que era objecto d'essa curiosidade feminina, a qual começava a despertar ciumes na visinhança; mas o tio, que nunca deixava de acompanhar a sobrinha, percebeu, que a requestavam, e uma ou outra vez sorria-se maliciosamente para as admiradoras d'ella, o bom do velho.

Na convivencia com seus condiscipulos e collegas, os mais vaidosos davam a Maria Thereza, sem querer escarnece-la, a primazia no talento, no saber, e até na graça da palestra.

Nas conclusões, que defendeu, para tomar o grau de bacharel, bem como no acto para licenciado, causou assombro aos mestres.

Aproveitou tanto emfim, que saíu doutissima em theologia e direito canonico.

Quando ella tinha concluido os seus estudos, falleceu o tio. O corpo docente foi logo convida-la, para reger a cadeira,10 que ficou vaga. Maria Thereza agradecendo o convite, respondeu: «Sem approvação de sua alteza a rainha, minha senhora, não pósso acceitar encargo algum, nem este que tão honroso é, e tenho a certeza de que a não alcançarei, sejam quaes forem as instancias, que junto de sua alteza se façam».

Os lentes não insistiram em presença de tão cathegorica resposta, e Maria Thereza, sem que pessoa alguma tivesse dado pelo disfarce, com que, durante quatro annos lectivos, cursou as aulas da Universidade, saíu de Lisboa, e no dia 29 de setembro de 1495, chegou ás Alcaçovas, onde residia então sua real ama.

D. João II tinha recebido as cartas, que Pero da Covilhan lhe enviára da Abyssinia por creados seus;11 como, porém, estivesse em preparativos de passar ao Algarve, a fim de procurar allivio aos seus padecimentos nas caldas de Monchique, ficaram para depois da sua saída, as novas, que D. Leonor queria dar a Maria Thereza.

Na entrada do mez de outubro partiu o rei para as caldas, deixando á rainha o escrinio, onde guardava aquellas cartas.

Depois de haver tomado quatro banhos, aggravou-se de tal modo a sua doença, que por conselho dos physicos se mudou para Alvor. Achando-se cada vez peor, desejou ver a rainha e o duque de Beja, fazendo ao mesmo tempo tenção de communicar a este, que em testamento o declarava por só e legitimo herdeiro do throno, e lhe deixava encommendado, como vassallo seu, D. Jorge de Alencastro – que era o filho D. João II e de D. Anna de Mendoça.

Estava a rainha com o duque seu irmão em Alcacer do Sal, por se haver assentado esperar alli o rei na volta do Algarve, e partirem depois para Santarem. D. Leonor iria embarcada até Setubal, d'aqui atravessaria por terra para Alcochete, e seguiria logo pelo Tejo acima até á velha e pittoresca rainha do Riba-Tejo. Este itinerario, differente do que para si traçára o monarcha, pareceu o mais commodo, por estar D. Leonor ainda convalescente da grave doença, que a pozéra ás portas da morte.

Na tarde, porém, de 25 de outubro de 1495, quasi ao sol posto, expirou D. João II, ou morreu o homem, como sentenciosamente disse Isabel, a Catholica. Logo ao outro dia foi dada, tanto á rainha, como ao duque, nova certa do fallecimento.

Succedeu, com effeito, no throno o duque de Beja, então na bella edade de vinte e seis annos. Pela préssa, com que tratou de se casar, pendemos a crêr, que foi essa a sua primeira idéa, ao ver-se senhor da corôa. Tal era a paixão, que lhe havia inspirado a formosa viuva do mallogrado principe D. Affonso – quem sabe se nas festas de Evora!..

No mesmo anno de 1497 contrahiu um enlace, que muito ambicionava, e satisfez uma obrigação, que tinha herdado, enviando á India a frota, que D. João II havia apparelhado, commandada por Vasco da Gama, a quem deu cartas para alguns principes do Oriente, incluindo o Préste João, conforme as informações e documentos, que deixára e houvera d'aquellas partes o Principe Perfeito.

Não foi estranha a rainha D. Leonor ao ultimo d'esses dois actos, sem duvida os de maior transcendencia, que seu irmão praticou no começo do seu reinado.

Era a rainha, ao tempo do passamento de seu marido, depositaria da importante correspondencia de Pero da Covilhan; e, fazendo entrega d'esta ao novo monarcha, rogou-lhe, que não só mandasse saber do nosso explorador, mas apromptasse, conforme as indicações do mesmo, uma embaixada, que o acreditasse junto do Préste, confirmando as cartas, que lhe levou, e com instancia solicitasse a resposta.

Vasco da Gama nada soube da Abyssinia; e não admira, porque nem tempo, nem gente lhe sobrava, para lá mandar alguem. Voltou, pois, a Portugal sem novas nem mandados do Préste. E, como a empresa da India tinha por fim primario apossarmo'-nos do commercio oriental, assegurado o nosso predominio nos mares levantinos, facil seria estabelecer relações com o abexim, e até este as buscaria.

A rainha D. Leonor não se descuidava, porém, de lembrar a D. Manoel a conveniencia de entabolar negociações com o Préste; e Pero da Covilhan, porque já soavam em todo o Oriente as façanhas dos portuguezes, não perdia o ensejo, agora tão opportuno, de inspirar ao imperador abyssinio uma grande idéa de Portugal, de incita-lo a responder á nota do rei, que o tinha enviado junto d'elle, e a dirigir-lhe, por seu turno, uma solemne embaixada.

Afinal Duarte Galvão, que mui singular prudencia, sagacidade e experiencia de negocios manifestara, como embaixador junto de Alexandre VI, do imperador Maximiliano e do rei da França, saíu de Lisboa na mesma qualidade para a Ethiopia em abril de 1515; mas não satisfez o mandamento, por haver fallecido na ilha do Camarão a 9 de julho de 1517.

Ao imperador Escander succedera Andeseon, que reinou unicamente seis mezes, e logo Naod, que teve tambem um curto reinado.

Á morte d'este ultimo principe subiu ao throno uma creança, que tinham baptisado com o nome de Lebna Danguil, mas adoptou depois o de Onag Segued, e por ultimo o de David. Contava apenas onze annos, e por isso, durante a sua menoridade, tomou as redeas do governo a imperatriz Helena.

As circumstancias do imperio eram gravissimas. Estava ameaçado não só pelos islamitas de Zeila, mas pelo formidavel poder que se elevára sobre as ruinas do imperio dos Khalifas. Aos arabes haviam succedido os turcos, que sustentados por suas idéas de fatalismo, invadiram avidos tudo, desde as cumiadas do Caucaso até ás fronteiras da Nubia. Á sua frente o feroz Selim I, tornou-se senhor do Egypto, juntando-o ao imperio ottomano, e com suas frotas cobriu logo o Mar Vermelho. Djiddah, Mokha, Suaquem e Zeila receberam successivamente guarnições de janizaros, que levaram ahi armas novas, ainda desconhecidas n'esses paizes. A mosqueteria e artilheria espalharam ao longe o terror por seus effeitos rapidos.

Foi então, que a regente do imperio abyssinio, atemorizada de tão terrivel vizinhança, se lembrou de solicitar, a favor da causa do seu povo, a protecção de um rei, cujas grandezas Pero da Covilhan tanto exaltava, e de cujas victorias alcançadas em toda a India, nas pelejas contra os mahometanos, já se ouvia o écco na Ethiopia. Mas desconfiada sempre, como todos os da sua raça, tratou de procurar pessoa, que podésse certifica-la tanto dos acontecimentos da India, como das coisas que lhe contava Pero da Covilhan, e ella muito lhe perguntava.

Na côrte do Préste andava um mercador armenio, chamado Matheus, que, por fallar ou entender o portuguez, pareceu á imperatriz Helena mais proprio, do que outro qualquer, e mandou-o a Portugal. Veiu, com effeito, ao nosso reino, mas secretamente, o embaixador Matheus com cartas da imperatriz em nome do Préste, um pedaço de lenho da Vera Cruz, como signal da fé professada na Abyssinia, e tudo foi recebido pelo rei D. Manoel. Entendeu o nosso monarcha, não dever demorar o delegado da imperatriz Helena, e despediu-o com muita honra, ordenando a Diogo Lopes de Siqueira nomeado governador da India, que na esquadra do seu commando conduzisse Matheus á ilha de Massuah.

A esquadra, composta de dez náus, largou do porto de Lisboa no dia 27 de março de 1518, e levou tambem D. Rodrigo de Lima, o qual ia á Ethiopia com uma embaixada do rei D. Manoel para o Préste. Eram treze as pessoas, que constituiam a comitiva do embaixador, e n'aquelle numero contava-se o P. Francisco Alvarez, capellão do rei.

Diogo Lopes cumpriu as ordens do soberano, entregando em Massuah ao Bahar-Nagays, governador das terras maritimas da Ethiopia, Matheus e a embaixada portugueza.

Logo em um dos primeiros dias de marcha para a côrte do Préste falleceu Matheus, no mosteiro da Visão. A embaixada proseguiu, até que chegou ao seu destino, depois de longas e arduas jornadas.

Tiveram os portuguezes a satisfação de encontrar Pero da Covilhan, que exultou ao ver os seus nacionaes, e não poude conter as lagrimas, ao lembrar-se da patria, á qual o não deixavam voltar as obrigações, que tinha tomado.

Durante os seis annos, que D. Rodrigo de Lima esteve na Abyssinia, de muito lhe serviu o voluntario e nobilissimo exilado, que tão heroica e honradamente sacrificou a vida pelo seu paiz.

Nas cartas, que o imperador David escreveu a D. Manoel, por D. Rodrigo de Lima, dizia:

«O Pero da Covilhan achei, quando reinei, que meu páe não encaminhára, até ver coisa, que o mais certificára; o que Deus a mim fez e não a elle, e sabe como fica meu coração até ver vossa, resposta, que muito desejo».

Os desejos do Préste eram, que o rei de Portugal mandasse fortificar Massuah e Suaquem, por medo dos rumes, que, fazendo-se ahi fortes, o desbaratariam e aos portuguezes. Offerecia gente, mantimentos, e o que necessario fôsse emfim, lembrando ao mesmo tempo, que seria bom tomar Zeila, porque d'este porto iriam as mercadorias para Aden, Djiddah e toda a Arabia, até ao Tor e Cairo.

Entretanto continuava de refem Pero da Covilhan…

Chegámos ao fim do primeiro quartel do seculo XVI, sem comtudo irmos mais longe, do que deviamos; é-nos, porém, preciso retroceder.

Da correspondencia de Pero da Covilhan estremou a rainha D. Leonor a seguinte carta, que mandou lêr a Maria Thereza:

Maria Thereza

Sabeis naturalmente já o bastante para apreciar a minha situação, e comprehender a impossibilidade, em que me vejo, de sair d'ella, como eu desejava, ou – porque não direi? – como nós ambos desejavamos.

Devo crer, que vos não faltarão informações de Sua Alteza a Rainha minha Senhora, e que tambem vós as havereis solicitado a miude. Mas a El-Rei meu Senhor pedi licença de vos escrever, pela primeira e ultima vez, para de longe conversar comvosco, condemnado, como estou a não mais vos vêr, nem ouvir.

A palavra humana é fraca, para exprimir a violencia da dor, que soffro, ao lembrar-me d'essa condemnação eterna! Deus me conceda a resignação precisa, e a minha alma se fortaleça com tão duras provações!..

De como desempenhei o real serviço, desde que sahi de Portugal até hoje, tem El-Rei larga noticia, enviada por mim a Sua Alteza. Restava-me unicamente dar-vos conta dos meus passos, que dirigi esperançado sempre, em merecer o agrado de meu Augusto Amo, e de tornar-me digno de vós.

Em caravanas e recóvas de mouros, e por mouro a seus olhos passando, estudei o commercio e navegação do Oriente, visitando para esse fim os principaes portos; e alcancei certificar-me, de que pelo mar se podia vir de Portugal á India. Do mesmo modo, sabendo em Calicut, que do grão Cairo para aquella cidade, que é a primeira e a mais formosa das terras indianas, traziam os mouros fortes armadas de muitas náus com grande trato de grossas mercadorias, provenientes de Mecca, fui ver com meus proprios olhos o centro d'este mercado.

Voltando de Ormuz, aonde por ordem de El-Rei meu Senhor, acompanhei o rabbi Abraham, desembarquei na cidade de Djiddah, que é o porto de Mecca no mar Vermelho.

Tendo encontrado alli numerosos peregrinos, que se preparavam para ir visitar a cidade santa, como elles fanaticamente chamavam a Mecca, encorporei-me na sua caravana.

Não vos encareço os riscos d'esta minha empresa, para jactar-me d'ella, senão para vos assegurar, que muito devo á misericordia divina, a qual decerto moveram mais as vossas orações do que as minhas.

Com extrema confiança em Deus, e em que vós não cessarieis de velar pelos meus passos, ousei ir da-los, onde a christãos é vedado transitar.

Felizmente não adivinharam os meus companheiros, que lhes profanava os seus lugares santos…

Ser-vos-ia fastidiosa a relação das ceremonias a que assisti, e em que tive de tomar parte – perdôe-me Deus! – na terra natal de Mohammed. Sómente vos direi, que não póde ir mais longe o fanatismo nem a cegueira humana!

É realmente Mecca um centro de commercio muito rico, e sem duvida o mais variado de todo o Oriente, no tempo das romarias, pois que se accumulam nos bazares producções mui valiosas de todos os paizes sujeitos á lei do propheta, e fazem-se negocios importantes.

De Mecca passei a Medina, onde está o tumulo do sancarrão. Atravessei igualmente uma região immensa, adusta e maninha.

Terminada a peregrinação, retirei para Yambo, que é no mar Vermelho o porto, que abastece Medina, e alli embarquei logo em um zambuco, no qual me dirigi a Tor.

Eu tinha necessidade absoluta de purificar-me, de retemperar a minha fé. O Sinai ficava-me perto. Fui vêr essas solidões da Arabia Petrea, por onde vagaram tão longo tempo os filhos de Israel, desde o exodo até entrarem na Chanaan promettida. Subi á montanha sacrosanta, onde Moysés dictou a lei aos hebreus. Puz a mão na pedra, da qual o propheta fez brotar um jôrro de agua com o toque da sua vara mysteriosa. Penetrei na caverna do monte Horeb, onde o propheta Elias se escondeu, para escapar á vingança da rainha Jesabel. Percorri emfim toda essa região pedragosa e triste, que cérca o Sinai; esse antigo paiz biblico, um dos mais celebres da historia. N'ella encontrei ainda as ruinas de Petrea, que fôra outr'ora o grande deposito do commercio da Arabia meridional, bem como o mercado, aonde as caravanas de Yemen levavam o incenso e os aromas, recebendo em troca os productos da Phenicia.

Voltei depois de Tor, e d'aqui atravessando o mar Vermelho, fui desembarcar em Zeila.

Tinha chegado ás portas da Abyssinia.

A residencia do Préste é ordinariamente no reino de Chôa, mui salubre, e situado quasi no meio do vastissimo imperio ethiopico.

Os que vão do Levante demandar a côrte, vêem-se obrigados a trepar uma altissima serra, como se fôra inexpugnavel fortaleza. Por cima d'ella corre um caminho muito ingreme, o qual no espaço de um tiro de bésta de tal modo se aperta, que mal cabem dois homens a cavallo, indo emparelhados. É uma lomba cortada a pique de ambos os lados, á qual conduzem tão escabrosos passos, abertos no recosto da montanha, que, se alguem embicar, ou a cafila, que sobe, topa com a que desce, não indo com o prumo attento nas passadas, fazem-se em pedaços os caminhantes, e perdem-se totalmente as mercadorias, rolando tudo por aquelles horriveis despenhadeiros abaixo! Na entrada de taes precipicios estão de uma parte e da outra umas como portas, onde pagam direitos ao Préste todos os que por lá passam com tamanho risco de suas vidas.

Fui emfim recebido pelo Préste, e, vendo que elle me detinha, roguei-lhe instantemente me despachasse, dando-me a resposta ás cartas d'El-Rei. E sabeis vós, qual foi a decisão irrevogavel do Préste?

– Que tratasse de me casar, e depois de ter um filho, para lh'o deixar por fiador, me mandaria a Portugal!

Impôz-me, como vêdes, o maior dos sacrificios!

A vós, a El-Rei e á nossa querida patria o offereço.

Eu poderia arrostar qualquer perigo, disfarçar-me, e saír d'aqui; mas perder-se-ia tudo quanto tenho feito. Se eu me retirasse, esta gente sempre desconfiada, e em geral de pouca verdade, ficaria tendo-me na conta de um embusteiro; no que não perigava a minha consciencia, mas o credito e os interesses, de quem me mandou cá. Assim tomariam por grande falsidade tudo o que lhes tenho dito, para exalçar o nome de meu Augusto Amo; para convencer o Préste, de quanto lhe será util alliar-se com Sua Alteza; para conseguir finalmente que todo este povo considere, respeite e admire a nação portugueza. E não descançarei, emquanto não resolver o Préste a enviar uma embaixada a El-Rei meu Senhor.

De nenhum modo conviria a El-Rei fazer guerra a um povo, cujo territorio a natureza tão prodigamente fortificou. Essa temeraria empreza traria comsigo muitos encargos, por ser o paiz mui remoto, para se poder conquistar e conservar, e debilitaria tanto as forças de Portugal, que ficaria este sem as necessarias para a sua conservação. Prefere decerto Sua Alteza crear e manter as mais pacificas relações de amisade com o Préste.

Muito contribuirá para isto a vinda da nossa frota ao Oriente; e, como El-Rei já sabe o caminho, não tardará ella em sulca-lo.

Os abexins são muito ciosos de suas coisas. Tenho, pois, de lisonjear-lhes a vaidade, para lograr a sua inteira confiança, porque depois será menos difficil admittirem o meu conselho. Como prouve a Deus, que eu viesse acabar meus dias a este exilio, empregal-os-ei todos no serviço d'El-Rei, e da patria.

Fui constrangido a constituir familia, e todavia – crêde-me, Thereza! – vivo em uma solidão immensa!..

Como, porém, quando a alma nos sáe da carne, deverá levar comsigo todas as suas affeições, ter-vos-hei junto de mim no Paraizo. O céo é o verdadeiro lugar do amor, e n'esta esperança immortal repousa docemente o meu coração. E, emquanto andarmos ambos sobre a terra, as nossas orações e os nossos votos juntar-se-hão no caminho do céo…

Estou longe de vós, mas acompanho-vos sempre, e não me vêdes, por não ser visivel o pensamento… São terriveis combates os accessos de abatimento, que repetidas vezes me tomam!.. Mas, para que esta separação nos não custe, experimentemos… vós o serdes menos amavel, eu amar-vos menos…

Não nos é dado realizar o impossivel!

O tempo de lagrimas, de solidão, de aborrecimento, que de vós me sepára, acabará, para nos unirmos e gosarmos juntos da bemaventurança eterna!..

Adeus.

Pero da Covilhan.

Quando Maria Thereza terminou a leitura d'esta carta, estava como «a candida cecem das matutinas lagrimas rociada»; mas tinha ao pé de si quem lh'as enxugasse, quem lhe respirasse os suspiros, que as entrecortavam.

Conservando a carta apertada n'uma das mãos, voltou-se para a rainha e exclamou:

– Assim o quiz Deus!.. Faça-se a sua vontade!.. Que duvidosas são as coisas d'esta vida!..

– Tambem as ha certas – interrompeu D. Leonor com muito carinho – e uma d'ellas será a tua resignação, que não pósso pôr em duvida…

– Sim, minha Senhora; nas mãos de Deus me resigno… E, se voss'alteza me permitte, cumprirei tambem as ultimas palavras, que disse a Pero da Covilhan: «de outro jámais serei!»

– Não admiro a tua fidelidade ás promessas, que fazes – tornou a rainha – ; mas ás vezes… em momentos irreflectidos… e ha tantos em galanteios!.. Emfim é necessario, que penses no teu futuro…

– Tenho pensado, minha senhora. Eu nunca perdi a esperança de tornar a vêr Pero da Covilhan; agora, porém, depois da sua carta, ainda que elle voltasse já não podia ser sua mulher. Serei esposa do Senhor.

– Não póde haver união mais santa – retorquiu com jubilo a rainha – ; mas sentir-te-has tu bem forte para a contrahir?..

– Se sinto!.. Creia voss'alteza, que não é filho de um desespero o meu proposito; anima-me, pelo contrario, a esperança, de que, servindo melhor a Deus na clausura, mais util poderei ser a Pero da Covilhan, orando por elle, e mais facilmente será perdoada a minha fraqueza de o não esquecer… A dôr é o mais seguro laço, que prende dois corações…

– Minha boa Thereza!.. Cada vez considero mais digno da minha estima o teu coração de ouro!..

Maria Thereza cahiu de joelhos aos pés da rainha, e beijou-lhe as mãos, regando-lh'as de lagrimas. D. Leonor deixou resvalar por sobre a formosa cabeça da sua predilecta, as que lhe borbulharam dos olhos…

Eram duas almas diamantinas, que se confundiam em um crysol, formado do mesmo affecto finissimo.

Fôra a rainha D. Leonor encarregada do governo do reino, por carta patente de 24 de março de 1498, durante a ausencia do rei D. Manoel, que passára com sua mulher a Castella, a fim de serem jurados herdeiros d'esta monarchia; e logo, a 15 de agosto do mesmo anno, a piedosa regente instituiu a Misericordia de Lisboa. Não satisfeita com erigir esse monumento, que por si só bastaria para immortalisa-la, é infatigavel no caminho do bem, alumiada pelos esplendores da fé, e profundamente inspirada nos estremecimentos de amor, com que a sublime virtude da caridade commovia a sua alma a trasbordar de candura.

9.Historico.
10.Historico.
11.Historico.
Возрастное ограничение:
12+
Дата выхода на Литрес:
25 июня 2017
Объем:
220 стр. 1 иллюстрация
Правообладатель:
Public Domain
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