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Читать книгу: «Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV», страница 6

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VI
PESQUIZAS

Por morte de D. Affonso V todos os creádos da sua casa tomou D. João II para si com muito amor e agasalho, conforme testemunha Garcia de Rezende. Pero da Covilhan pertencia áquelle pessoal, e, como pelos serviços prestados em Castella e França havia conquistado a estima do novo monarcha, para logo ascendeu esta á quasi intimidade de valido.

Convem notar, que D. João II ao seu serviço preferia ter cavalleiros particulares a grandes e senhores; ou fosse por manifesta má vontade contra estes, ou porque, fazendo creaturas suas os que possuissem iguaes qualidades e menos poder, esperava que o servissem com maior fidelidade e menos ambição, por carecerem mais do seu rei, e serem mais faceis de contentar. Sobretudo tinha na melhor conta os seus companheiros de armas em Toro, aos quaes louvava por vezes a dedicação e valor, cujo testemunho lhe deram, e por isso a todos elevou e distinguiu sempre, entrando a maxima parte d'elles em o numero dos quatro mil vassallos d'el-rei, que creou, como lhe requereram as côrtes reunidas em Evora a 12 de setembro de 1481.

Pero da Covilhan vivia, pois, na côrte de D. João II e fazia parte da sua guarda.

Nem antes, nem depois, ainda houve outra côrte mais brilhante em Portugal. O rei, para descançar das fadigas da administração, mostrava grande prazer de achar-se rodeado de cortezãos dotados de boas prendas, e com elles folgava, estimulando-os a exhibi-las na presença das formosuras insignes, que compunham o apparatoso e galante sequito da rainha D. Leonor.

Assistia jubiloso aos saráus do paço, nos quaes até ás vezes, depois de vêr dançar com primor a retorta mourisca pelas damas trajando ao uso arabe, deixava-se adormecer no regaço de alguma d'ellas. Era o primeiro emfim a lembrar os desafios poeticos, as côrtes de amôr, o jogo dos naipes, e tantas outras diversões proprias de uma sociedade elegante, de cujas aventuras amorosas se não fazia mysterio.

Maria Thereza era uma das mais gentis entre as donzellas, que a rainha educava para suas damas, e que podemos denominar os botões de rosa do real jardim de formosura, como depois Gil Vicente chamou ao estrado das damas de D. Leonor.

Bella e muito viva, mais de um dos seus admiradores a requestava em verso. Ella, porém, sempre desdenhosa, sorria d'esses requebros, torturando assim os apaixonados moços. Alguns alcunhavam-n'a de desvanecida, outros de suberba, despeitados todos por se verem repellidos. Não logravam comprehender muitos d'elles, herdeiros de boas casas, que uma menina pobre se mostrasse tão esquiva, tão reservada, quasi fria, n'aquelle meio tão aquecido pelo calor da mocidade; em aquelle bulicio, que a intimidade no trato, e o desprendimento na linguagem tornavam tão jovial e affectuoso, como fielmente no'-lo reprezenta o Cancioneiro Geral, de Garcia de Rezende.

Um dia Pero da Covilhan, ao passar por ella, disse-lhe quasi a medo:

– Amo-vos!..

Maria Thereza córou, e tamanha perturbação sentiu, que não poude articular uma palavra.

Pero da Covilhan desappareceu, e ella, recobrando a serenidade, disse comsigo mesma:

– Deve-me ter talvez achado bem ridicula!.. Não só ridicula; mas traduziria o meu enleio por baixeza d'alma, pensando que não agradeci a sua galanteria por elle não ser fidalgo, e eu filha e neta de fidalgos!..

Esta idéa foi um desespero para Maria Thereza, que não encontrava desculpa alguma para o seu silencio. Até pelo seu espirito passou o receio de que Pero da Covilhan a desprezaria, pois estava convicta de que fôra desprimorosa para com elle, e de que uma palavra polida é sempre facil de responder.

Quando pouco depois avistou Pero da Covilhan, não poude fallar-lhe; mas retribuiu com um sorriso da mais ineffavel candura a gentileza, com que elle a cortejou. A divina semente, que germinava occulta em seu coração, cresceu de subito e floriu. Do encontro de duas almas, que se attráem, é que salta a faisca sagrada.

Durante algum tempo, não houve entre ambos correspondencia, que não fosse a dos seus olhares que se cruzavam; mas bastava essa para se comprehenderem. Os olhos são o espelho da alma, e descobrem, sem o sentirmos, todos os segredos, que lá guardamos.

Foi Pero da Covilhan mandado chamar pela rainha. Maria Thereza, mal soube a novidade, esperou-o á entrada dos aposentos de sua ama, e quando elle surgiu, disse-lhe:

– Aguardava-vos, para dissipar qualquer temor que porventura tivesseis… Como não é costume, havia de surprehender-vos a ordem da rainha, minha Senhora?..

– Certamente!.. E graças pelo vosso cuidado em me prevenir, pois me tinha occorrido, que sua alteza desconfiasse, que vos cortejo, e não o levasse a bem… – respondeu Pero da Covilhan, ainda mal refeito do sobresalto, que lhe causou a inesperada apparição de Maria Thereza, que para o tranquillizar lhe affirmou:

– Sua alteza nada sabe ainda. Como, porém, não tenho segredos para minha real ama…

– Oh! nada lhe confesseis por emquanto!.. interrompeu Pero da Covilhan supplicando.

– Porquê?!.. – perguntou Thereza meio admirada.

– Porque não vos mereço ainda…

– Por sermos muito môços; quereis talvez dizer?..

– Thereza!.. Amo-vos cada vez mais! E por isso mesmo vos peço que espereis…

– Esperarei.

– Quando eu tiver uma posição digna de vós e do vosso nome illustre, virei offerecer-vo'-la, e esse será o primeiro passo para a minha felicidade… Antes, não!.. Sou um simples escudeiro, bem vêdes!..

– Não vos amergeis tanto!.. «Só os escudeiros sustentam o reino»: dizia D. João I… O que foi Nun'Alvares, antes de condestavel?.. D'onde provêem os melhores titulos de Portugal e Castella?.. De escudeiros se fizeram as casas de Benavente, de Vilhena, de Albuquerque, de Medina Sidonia, e tantas outras…

– Assim é; mas…

– Mas vós sois hoje um escudeiro, e ámanhã podereis ser um fidalgo… Não tendes a nobreza por herança e patrimonio? Haveis de merece-la e ganha-la!.. É crença minha.

– Na firmeza da vossa linguagem manifestais bem os quilates do vosso peregrino espirito… Edificativa exhortação a vossa!..

– Pois não será verdade o que vos digo?.. Aquelles a quem a gloria dos avós envaida, sem procurarem imitar-lhes as virtudes, esquecem-se, de que não é nas raizes, mas nos ramos, que teem as arvores o seu fructo… Ora dizei-me!.. Quantos fidalgos deixaram a vida em Toro?.. Dos escudeiros sabemos todos, que muitos lá ficaram…

– Morreram no seu posto…

– Com honra, bem o sei. Ou não foram elles portuguezes!.. Mas costume foi sempre lançar os escudeiros deante, para serem no perigo o escudo dos nobres… Que vejam estes agora como el-rei trata os escudeiros, que sobreviveram!.. A vós não perde sua alteza o ensejo de honrar… Não vo'-lo provou já, enviando-vos a Castella em seu real serviço? E á Barberia, a fazer pazes com o rei de Tremecem?..

– Mercês d'el-rei, meu senhor, que m'as não deve, porque lh'as não mereço… Em Toro foram todos valentes, fidalgos e escudeiros, que ao lado de sua alteza ninguem póde ser fraco!.. Praz-me porém, vêr-vos discorrer d'ess'arte!.. Nobre alma de portugueza a vossa!.. Como eu me sinto orgulhoso de vos amar!..

– E eu de ser por vós amada!..

– Abençoado amor o vosso!.. Por elle sinto-me capaz de tudo quanto ha de elevado e grande!.. Nem perseverança e fé me faltarão jámais!..

– Nem as minhas orações, Pero… Assim ellas sejam ouvidas!..

– Porque não?.. O céo está sempre aberto ás supplicas dos anjos. Vós sois já o da minha guarda, e o do nosso lar sereis um dia!..

– Sim. A Santissima Virgem, que é auxilio dos christãos, permitta que eu saiba corresponder ás vossas esperanças!

– Hade amparar-nos o seu patrocinio, crêde! Eu tambem sou devóto da Mãe de Deus, Thereza!..

– Confiemos n'Ella… Mas… alguem chega! Recado vos trazem da rainha, minha Senhora. Adeus.

Maria Thereza retirou-se; e Pero da Covilhan seguindo-a com os olhos, apenas soltou esta palavra, que ella já não poude ouvir:

– Encantadora!..

E era realmente um encanto a gentilissima Thereza. O seu coração virgineo abriu-se ao primeiro affecto, como o calice da flor aos primeiros raios do sol em alegre manhã de primavera. A sua alma desabrochando, exhalava seu ingenito perfume angelico, e em uma aspiração, que tinha alguma cousa de infinito, invocava não sabia bem o quê, para ella ainda desconhecido. Não ignorava, que geralmente o interesse era o verdadeiro móbil dos casamentos na côrte. Muitos dos servidores das damas, senão todos, podiam ter a alma erma de virtudes, o coração vasio de affeições, que, se os recommendasse o prestigio das suas riquezas, ou a fascinação do seu nome, nenhuma d'ellas repudiava os seus galanteios. Maria Thereza, porém, aspirava á posse de uma alma, como a sua, que lhe offerecesse o thezouro da pureza, de um coração, como o seu, que conservasse o thezouro do affecto; porque sem estes dois thezouros nada lhe bastaria, e o nome, ainda o mais egregio, a fortuna ainda a mais colossal, não poderiam dissimular a sua privação irreparavel.

A rainha D. Leonor, que tinha por ella particular predilecção, como para o deante veremos, era a mais desvelada e carinhosa das mães nos cuidados com a sua educação. Nutrindo-a de solidos pensamentos pela cultura sã e moral do seu espirito, não lhe fazia ao mesmo tempo perder a frescura da imaginação, nem lhe roubava a graça e a poesia, com que Deus a dotára. Dando á imaginação o que justamente lhe pertencia, purificando-a e dirigindo-a, creava-lhe tambem e primeiro que tudo, uma consciencia forte; formava-lhe uma vontade energica e recta, um coração que soubesse querer o bem, uma razão e intelligencia, que lhe deixassem trilhar sempre, com resolução e firmeza, o caminho do dever e da honra.

Que mãe de familia com taes dotes!

Em preciosos codices da bibliotheca real alimentava Maria Thereza a sua paixão pelas lettras, sendo a sua leitura dirigida pela rainha, como quem prescreve o regimen de uma alimentação salutar e sobria. Ao mesmo passo encarecia D. Leonor á sua pupilla a intimidade do lar domestico, dizendo-lhe, que sem ella não pode haver vida de familia, como sem templo não existe religião, que se avigóre.

Maria Thereza sabia assim, que no lar domestico nutrem e conservam sua pureza e sua energia os nossos costumes, e que elle é para todos nós como que uma patria mais estreita e mais estremecida, e tambem o lugar consagrado pelas alegrias e pelos pezáres communs da familia.

Ao pensar, pois, na sua união com Pero da Covilhan, Maria Thereza promettia a si propria, que seria sempre ao lado d'elle corajosa e risonha, velando tudo, tomando o maior quinhão nos dissabores do trabalhador indefesso, applaudindo os seus esforços, aconselhando-o, inspirando-o, confortando-o emfim com o seu olhar e o seu sorriso. E por isso mesmo, embóra Pero da Covilhan soffresse as mais duras inclemencias, as mais longas provações, antes de conquistar uma reputação honrada e merecida, a despeito de criticas amargas e injustas, o amor d'elle ao trabalho e ao lar domestico haviam de faze-lo triumphar de todas as vicissitudes. Maria Thereza contava com esse triumpho e deliciava-se ao imagina-lo.

Que desassocego febril, em que andava o seu coração de dezeseis annos, desde que o surprehenderam no seu pulsar innocente e descuidado os primeiros estremecimentos do amor! Mas este delicado e casto sentimento deixou de ser uma paixão que poderia corrompe-lo, para tornar-se uma virtude, que havia de eleva-lo.

O mais vehemente desejo de Maria Thereza, era, que Pero da Covilhan se nobilitasse, crescesse em honras, conquistasse para o seu nome uma aureola brilhantissima. Em Pero da Covilhan para merecer, e em D. João II para premiar, tinha ella toda a confiança; por isso não a intimidavam as habituaes murmurações e desdens dos cortezãos. Estes em geral, occupados de inveja dos feitos alheios, trabalhavam por empece-los e aniquila-los. Prezando-se unicamente de perfumados, e de porfiar trovando nos serões do paço, nada mais faziam do que folgazar dia e noite, emmaranhados em intrigas de amores interesseiros e faceis.

Um interesse tambem tinha o amor de Maria Thereza; mas unico: a gloria de Pero da Covilhan.

Desinteressado amor!

A candida donzella via no seu bello ideal de ventura o môço escudeiro a burilar no escudo um brazão floreteado, ganho em serviço da religião e da patria, e a si propria aprezentando com justa ufania a sua real ama, e segunda mãe, o cavalleiro ennobrecido, a quem promettera a sua mão. Exultava por isso de contentamento intimo, quando o rei o escolhia para desempenhar qualquer missão que por espinhosa e arriscada o distinguisse mais ainda. É que o seu amor tinha a singularidade maravilhosa de illuminar-lhe o entendimento, conservando-lhe sempre inflammado o coração.

Quando Pero da Covilhan ia a sair, já despedido pela rainha, poude dizer a Maria Thereza:

– De novo passo á Barberia.

– Deus vos guie! – respondeu Thereza, tão meiga, como alegre. – Comvosco vae tambem o meu coração, que é vosso.

Nem uma palavra, nem a mais fugitiva expressão da physionomia de Maria Thereza, podiam revelar a Pero da Covilhan qualquer sombra de tristeza pelo apartamento; e comtudo bem natural é, que fossem como realmente eram, sempre que se separavam, docemente feridos ambos pelo espinho da saudade. As despedidas em vez de os desfallecerem, animavam-os.

D. João II no seu ardente amor de gloria, ao passo que se tornava insaciavel e insoffrivel em transpôr os humbraes da India, não afastava seus olhos d'aquella banda da Africa, tanto ao pé da porta, e da qual tivera por doação real a governança, quando principe ainda. Para ser miudamente informado ácerca do que se passava n'esses lugares, enviou lá Pero da Covilhan, recommendando-lhe em particular, tratasse a miude com Molley-Belfagege, que em 1472 havia mandado a ossada de D. Fernando, o mallogrado infante, que fallecera em Fez. A razão ostensiva da viagem era, porém, a compra de cavallos do melhor sangue para o duque de Beja, a quem o rei ia dar casa. Destinados á mesma adquiriria tambem Pero da Covilhan alguns lambeis, que D. Leonor encommendara com particular interesse, consoante á carinhosa rainha merecia, quanto tocava a D. Manuel seu dilecto irmão, mais tarde rei.

Embarcou Pero da Covilhan para o seu destino.

Depois da necessaria demóra, regressou a Portugal, onde o esperava já outro encargo; este, porém, mais arduo, e de mais vasto alcance para a realisação do plano politico de D. João II.

Estava a côrte em Santarem, quando chegou e deu conta a seus reaes amos dos mandados, que cumprira, conforme as instrucções que levava.

– Bem o fizestes – disse-lhe o rei – ; e agora – muito secretamente – espéro de vós grande serviço, que sempre vos tenho achado bom e leal servidor, mui ditoso em vossos feitos… Não vos impede a falta de saude, ou o cansaço da viagem, de sair já de nossos reinos?

– Préstes estou, meu Senhor e rei – respondeu Pero da Covilhan. – Peza-me, porém, não ser a minha sufficiencia igual ao desejo, que tenho de servir voss'alteza…

– Embóra, ireis, que Deus vos guardará. – A descobrir e saber do Preste João, e onde se acham a canella e as outras especiarias, que das terras do Oriente vão a Veneza, hei já mandado um homem da casa de Monte-Rio e um frade de Lisboa. Chegados que foram a Jerusalem, d'aqui fizeram volta, dizendo, que ninguem por aquellas partes podia entender-se sem saber o arabe. De vós me lembrei, que bem o fallais. Maior incumbencia todavia levareis, do que elles, pois tambem do vosso valor e discernimento muito mais confio…

– Mercê a voss'alteza, meu Senhor…

– O que de vós pretendo é, que vos certifiqueis, se do meu senhorio da Guiné podemos communicar por terra com o reino do Preste João, e se tambem por lá, se a costa vae seguindo, levariamos á India a nossa frota.

– Com léda vontade, Senhor, acceito o encarrego, que é mais uma mercê, por que beijo a mão de voss'alteza.

– Ámanhã sereis despachado, e levareis comvosco Affonso de Paiva, que vos dou para auxiliar-vos.

Pero da Covilhan poude pouco depois avistar-se com Maria Thereza, que já sabia da sua vinda, e communicar-lhe com enthusiasmo, que el-rei o mandava partir para longe, proporcionando-lhe azo de prestar á religião e á patria bons serviços. Não lhe revelou o segredo da sua mysteriosa viagem, mas não resistiu a dizer-lhe com o mais vivo arrebatamento de amor:

– Agora, mais do que nunca, espéro ser vosso, Thereza!..

– A Virgem vos ouça! – exclamou Maria Thereza igualmentente enlevada e radiante. – A longes terras ides?.. Deus vos acompanhará… e eu ficar-vos-hei esperando… de outro jámais serei!..

E apartaram-se, como dois crentes, cujo animo varonil o fervor da fé revigóra.

Nem um uma lagrima derramaram!

As lagrimas nem sempre são a medida do amor. Este muitas vezes mais se prova, com as que se deixam de chorar.

Se Pero da Covilhan partisse, para nunca mais ver Thereza, seria essa a dor maior dos olhos de ambos, e a que lh'os desfaria em lagrimas. Elle, porém, ia para voltar e trazer o seu nome laureado a Thereza; esta ficava-o esperando, para o festejar jubilosamente. Por isso as lagrimas, que deixavam ambos de chorar, se haviam seccado nas fontes do amor fino, com que mutuamente se queriam.

No dia seguinte, que era o setimo de maio de 1487, D. João II, tendo a seu lado D. Manoel duque de Beja, entregou a Pero da Covilhan, que se apresentou já com Affonso de Paiva, uma carta de marear, feita em casa de Pedro d'Alcaçova, pelo licenciado D. Diogo Ortiz, o Calçadilha, depois bispo, e pelos physicos hebreos, mestre Rodrigo e mestre Moysés, os quaes tomavam com o primeiro parte na junta dos cosmographos. N'essa carta devia Pero da Covilhan, marcar os lugares do senhorio do Preste, bem como todos os mais, por onde passasse.

Para os primeiros gastos da viagem mandou-lhe D. João II dar da arca das despesas da horta de Almeirim quatrocentos cruzados, parte dos quaes Pero da Covilhan depositou na casa bancaria de Bartholomeu Florentino, a fim de receber em Hespanha o que lhe conviesse, levando além d'isso uma carta de credito, dirigida pelo monarcha á opulenta casa Medicis, para que nada lhe faltasse nos paizes, que tivesse de percorrer. Foi emfim portador de cartas em arabico para o Préste, nas quaes D. João II significava a este o grande desejo de o conhecer, e travar com elle relações de amisade, dando-lhe ao mesmo tempo conta de tudo o que pela costa da Guiné havia descoberto para saber, se alguma d'aquellas terras era perto de seu reino e senhorios, a fim de por ellas se poderem communicar e prestar, bem como fazer, com que a Fé Christã fosse exalçada.

E no mesmo dia partiram os dois exploradores em direcção a Barcelona.

VII
EM RHODES

Apenas Pero da Covilhan e Affonso de Paiva chegaram a Barcelona, passaram a Napoles pelo Mediterraneo. Alli desembarcaram, e dirigindo-se logo á casa commercial de Cósme de Medicis, pelos filhos d'este lhes foi dado seu caminho, em vista da carta de credito, que levavam, como fica dito.

Na formosa e vasta bahia de Napoles estava a largar para a ilha de Rhodes uma náu, a bordo da qual facil foi receber os nossos viajantes. Proseguiram n'ella, pois.

Já no mar tyrrheno, quando Pero da Covilhan, encostado á amurada da náu, tinha deante dos olhos o quadro pittoresco do golpho, emmoldurado por uma natureza encantadora e grandiosa, nenhum allivio achava nas tentadoras bellezas do magnifico panorama, para a dôr que lhe ia pungindo a alma. Agora que nos mares do levante põe a prôa a náu, que o transporta, e elle, se distancía mais de Portugal, sem saber aonde o destino o levará, mais lhe parece que o seu coração o deixou para ficar com Thereza.

Ao dobrar a costa meridional da Secilia, em aquelle afastar-se cada vez mais da patria em busca de regiões desconhecidas, o ardor, com que desejava chegar ao termo da sua viagem, era muitas vezes amortecido pela impressão viva da saudade, que deliciosa e acerbamente lhe dilacerava o coração.

A náu singrava, assoprando-lhe galerno o vento, que lhe fazia as velas pandas. Quasi ao cabo da sua derrota, entra no mar Carpasio, e, proejando para Rhodes, surge n'este porto.

Está, portanto, Pero da Covilhan ás portas do Oriente.

Habitavam Rhodes os cavalleiros da sacra milicia de S. João Baptista, de Jerusalem. Tinham achado que, pelo sitio e vizinhança, era essa ilha propria para, sem maior difficuldade, pelejar com os sarracenos do Egypto e da Syria, bem como para reprimir e rebater os assaltos e insultos dos turcos, que, com galeras armadas em guerra, infestavam aquelles mares, vexando os christãos, roubando e fazendo captivos muitos d'elles.

Fortificaram-se por isso alli; armaram-se de náus, galeões e galeras, com que limparam de piratas e corsarios os mares do levante; e não só davam passagem segura e pousada franca aos peregrinos, que visitavam a Terra Santa, senão tambem refreavam os impetos e furias dos mouros e turcos, para que não chegassem com as suas victorias até ao coração da Italia. E pode affirmar-se, sem receio, que se deve attribuir ás virtudes, esforço, façanhas e proezas dos cavalleiros de Rhodes, o não terem os infieis mahometanos destruido a maior parte da christandade.

Eram dois os cavalleiros portuguezes então na ilha: frei Gonçalo Pimenta e frei Fernão Gonçalves. O ultimo havia tomado parte na heroica e brilhante defensa, contra o apertado cêrco do exercito ottomano, em 1480, no mestrado de frei Pedro d'Aubusson. Como bem natural era, receberam os dois viajantes fidalga hospedagem de seus compatricios. A breve trecho estabeleceu-se entre todos aquella confiança e lhaneza de trato peculiarissimas do nosso caracter nacional, que não só se conserva intemerato em quaesquer circumstancias de tempo e lugar, mas ainda mais o affirmam os portuguezes uns aos outros, quando se topam em terra alheia.

Como os primeiros cuidados do grão-mestre tivessem sido, logo depois do assédio, restaurar as muralhas e fortificações arruinadas, durante este; reedificar as casas e as egrejas, que foram demolidas, por estarem situadas perto da cidade, e poderem servir de interesse ou de reparo ao inimigo; e restabelecer finalmente o importante commercio dos rhodios, que tão notavel incremento havia já tomado; aos intrepidos viajantes foi grato vêr na Rhodes christanisada uma das mais florescentes cidades da Asia.

Precisou Affonso de Paiva de repoisar um pouco; e, emquanto elle o fazia, foi Pero da Covilhan com frei Fernão visitar as fortificações. Depois de haverem percorrido todas, sentaram-se na torre de S. Nicolau, que demorava sobranceira ao mar na entrada do porto, e era fundada sobre alcantilado fraguedo, que se erguia do seio das ondas.

Como os turcos emprehenderam expugnar esta torre, por lhes parecer que d'ahi podiam bater com maior effeito a cidade, e tambem impedir que lhe não entrassem soccorros, fr. Fernão recordou este episodio do cêrco, e a bravura com que n'elle se portaram os cavalleiros portuguezes. Pero da Covilhan escutava com interesse e assombro a narrativa, e não poude occultar a commoção de jubilo, que sentiu ao ouvir as referencias feitas á galhardia dos nossos.

Frei Fernão comprehendeu que fallava com quem era versado na arte da guerra, por isso fez-lhe minuciosamente o lance do cêrco. E, como então os triumphos gloriosos dos prelios eram antes attribuidos á graça do Omnipotente, do que ao esforço heroico dos guerreiros, não deixou fr. Fernão de memorar um caso milagroso, que contribuiu principalmente para a derrota dos turcos.

– Depois de assalto á cidade fugiram para ella grande numero de turcos. Attestaram estes com juramento, que, tendo o grão-mestre acudido ao combate, e feito arvorar de novo as bandeiras, em que se divisavam pintadas as imagens de Christo, da Virgem e de S. João Baptista, alvejando a cruz em campo de rouxeada côr, n'esse mesmo instante viram os turcos correr pelo ar contra elles uma Cruz resplandecente da côr de ouro, á qual seguia uma Matrona formosissima, adornada de candidos vestidos, com escudo embraçado e lança na mão direita; junto a ella um homem vestido de pannos vis com uma pélle de camêlo sobre os hombros; e logo um luzido esquadrão de soldados, assignalados com cruzes brancas, correndo em tal ordem que parecia virem em soccorro da cidade. Com esta visão – diziam os desertores – ficaram os turcos tão assustados e attonitos, que os que iam em marcha ao assalto, não se atreveram passar adeante; e os que já estavam interessados na lucta, conceberam tanto medo e terror, que voltaram as costas, e para fugirem com menos embaraço se mataram uns aos outros.

– Vencemos! – concluiu frei Fernão – . Mas sem aquelle celeste auxilio não podia prevalecer a nossa defensa contra o grande tropél e poderosas forças dos inimigos. Cumprimos o que deviamos por honra nossa, com grande gloria dos christãos e a mór affronta dos infieis!.. E a proposito deixai-me lamentar, que o senhor D. João II, sendo tão catholico, tenha a sua attenção distrahida para Africa, e não nos auxilie em nossa empreza!..

– Estou certo – retorquiu Pero da Covilhan – de que el-rei, meu Senhor, admira os vossos esforços, e desejaria contribuir para o engrandecimento da sagrada milicia; asseguro-vos, porém, que nas actuaes circumstancias do reino, não podia, antes que quizesse, realizar esse desejo. Achais porventura, que sua alteza deve consentir á sua porta, a vexar a christandade, o agareno insolito e maldito?..

– Reduzir o numero dos infieis pela conversão ao catholicismo, é sem duvida obra emérita. Mas nós tambem lá iriamos ajudar el-rei, se tivessemos seguro o nosso dominio na Asia…

– Não se esquece sua alteza do Oriente, crêde… Se a nossa fróta podésse ir á India!.. O resultado seria a propagação da fé catholica n'essas regiões remotas, e o augmento da gloria e riqueza de Portugal!..

– Á India?!.. Arrojado pensamento esse!.. Pois póde el-rei conceber um tal proposito?!.. Por que mares chegaria lá?!..

– Por que mares, não sei… O pensamento é meu… Occorreu-me agora… O que vós não ignorais, sem duvida, é que nós, os portuguezes, somos aventureiros por indole. Estanciados no Occidente, parece-nos o mar uma barreira constante, posta a nossos olhos, para nos impedir de caminhar; por isso natural é, que estejamos sempre anciosos de vencer esse obstaculo… Quem sabe se servirá de estimulo, para virmos a ser um dia os primeiros navegadores do mundo?!..

– Confio muito na providencia de Deus e no valor dos portuguezes; mas… Veneza tem o monopolio das riquezas do Oriente; os seus depositos em Alexandria fornecem o mundo inteiro; e além d'isso é a senhora dos mares, sem que ninguem póssa disputar-lhe esse imperio… Se porventura ella sonhasse, que por mar se podia ir á India, já lá tinha surgido a sua grande fróta…

– Mas nós tambem já temos provado, que sabemos luctar com as ondas…

– Assim é…

– Ora dizei-me: não estará Deus a ensinar-nos o caminho da India no movimento diurno do sol?.. Eu me explico. Não me custa admittir, que do Oriente partisse um dia grande cáfila de gente á procura do paiz do ouro. Chegaram ao Occidente, e, topando com o mar, que os não deixou ir mais além, uns retrocederam, outros ficaram…

– Que saissem até muitos d'elles, para commerciar unicamente, facil é acredita-lo – interrompeu fr. Fernão.

– Pois bem. A esses primeiros povoadores do nosso sólo acompanharia sempre no seu voluntario exilio a saudade da patria. E este sentimento não se transmettiria de páes a filhos, como um patrimonio de seu coração?..

– Mui ajustado considero o vosso conceito. Até do nosso genio aventureiro razão sobeja me dá.

– Uma esperança trouxe a nossa raça ao Occidente, uma saudade a levará ao Oriente!.. Mas pelo mar, para completarmos a nossa revolução, como o Sol!..

– Prouvéra a Deus, que assim fosse!.. – exclamou com enthusiasmo fr. Fernão.

– Não me pertence a mim de tal cuidar. A que venho com Affonso de Paiva, é procurar o tão fallado Préste João. Acaso podereis vós dar-me informações, que me alumiem?.. Se fôr um rei christão, como dizem, muito ganharia a nossa religião santa, se com elle el-rei contraisse alliança…

– Folgaria de bem vos encaminhar; mas tão escuras correm as noticias d'esse afamado imperador, que chego a persuadir-me, serem todas mal fundadas.

– Na Asia habita, dizem. Em que parte, porém, d'ella?

– Na Asia habitará… O nosso collegio, porém, já conta em Rhodes mais de um seculo, e até hoje – que eu saiba! – não tem constado cá, haver-se descoberto o reino maravilhoso d'esse principe de tanta nomeada.

– Informação de pêso é essa…

– Com effeito existiu na Asia a monarchia do Jonanan, sendo este nome commum a todos os soberanos d'ella, como foi o de Pharaó aos reis do Egypto, o de Dario aos reis persas, o de Cesar aos imperadores romanos, e actualmente é o de Turco aos sultões da casa ottomana. Esse nome de Jonanan, derivado de Jonas Propheta, mudaram os europeus em Joan, e o pronome Preste, o mesmo que Presbytero, pozeram-lh'o em razão da cruz, que sempre deante levava arvorada, como os nossos arcebispos. E esse imperador christão, posto que nestoriano, obedecia ao patriarcha de Babilonia, de maneira que tambem a elle obedeciam os christãos, a quem na India se chamavam da Serra ou de S. Thomé. O seu imperio, porém, ha muito que desappareceu.

– E porque não crêr antes, que em paiz desconhecido, e cercado de mysterios o Préste vive ainda, como em toda a Europa corre?.. Emfim, eu a Portugal não volto, sem colher informação segura, para a levar a el-rei, meu Senhor.

– Nem al se deve esperar de vós, como brioso cavalleiro que sois.

O resultado, que Pero da Covilhan logrou d'esta pratica, foi tornar-se-lhe cada vez mais problematica a residencia, senão a existencia, do Préste João das Indias. Não soffreu com isso a menor contrariedade o seu animo imperturbavel; serviu antes de maior estimulo á sua diligencia.

De Rhodes, onde se forneceram de mel, com que se dispozeram a negociar, atravessaram os dois viajantes para Alexandria, disfarçados em mercadores.

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12+
Дата выхода на Литрес:
25 июня 2017
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220 стр. 1 иллюстрация
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Public Domain
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