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Читать книгу: «Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV», страница 9

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– Nunca soffri dôr igual, á que me está causando a idéa, de deixar por algum tempo a companhia de voss'alteza!..

– Pobre creança!.. – interrompeu a rainha, dando-lhe um beijo na testa. Mandou-a depois levantar, e concluiu, passando-lhe a mão carinhosamente pela cara:

– Váe! Espéro, que tires muito proveito dos teus estudos. Quando voltáres, não encontrarás preenchido o lugar, que deixas vasio junto de mim…

XI
PEREGRINAÇÃO

Do golfo persico voltou Pero da Covilhan ao mar Vermelho, e foi desembarcar em Djiddah. Genuino mercador mouro no aspecto, mas sincera e profundamente catholico do coração, d'aquella cidade do Hedjaz dirigiu-se a Mecca, incorporando-se em uma numerosa caravana de peregrinos, e, affectando o recolhimento de um crente da religião de Mafoma, sem mostrar, todavia, como os musulmanos seus companheiros, o semblante macerado e consumido pelo ardor fanatico.

Tentar uma visita a Mecca, sendo-se christão, em todos os tempos se considerou infructuoso, ou ao menos de um exito muito problematico; realisa-la, porém, mórmente no seculo XV, embóra se tivesse envergado o ihram do peregrino, era um acto de assignalada temeridade.

Os raros europeus, que no seculo actual lográram vêr Mecca, dão testemunho do perigo, a que se expõem os christãos, que se afoitam a violar a lei que lhes prohibe, com pena de morte, o seu ingresso no velho santuario arabe.

Mas, para quem teve o seu baptismo de sangue em Toro, e atravessou o Oceano indico, lidando sempre com homens de diversas raças, religiões e costumes, nada havia já, que o intimidasse, fazendo-o renunciar um dever, a cujo cumprimento sacrificava a propria vida.

É peculiar da alma portugueza, arrostar os perigos e retemperar-se na adversidade; e Pero da Covilhan era portuguez de lei. Affeito aos labores improbos da sua viagem de exploração, já nem por elles dava; e, no seu resignado soffrer, punha constantemente o seu valor á prova, e robustecia cada vez mais a confiança, que em si proprio depositava.

Lá se pôz a caminho pelo Hedjaz fóra.

O Hedjaz, uma das provincias menos extensas e mais inferteis da Arabia, tem importancia e celebridade por ser o berço do islamismo, e pela influencia, que recebe de Mecca e Medina, situadas no seu territorio. A sua aridez, quasi geral, augmenta a fadiga, de quem por ella caminha. Cortam a immensa solidão das suas planicies arenosas, que se extendem para a margem do mar Vermelho, pouquissimos valles cultivados e montanhas cobertas de rochedos, que se vão tornando cada vez mais abruptas á medida que os viandantes se internam no paiz. As estradas são regueiras enxutas, que nas épocas das grandes chuvas se transformam em rios caudalosos. Caminha-se por esses uâdis, e na falta d'elles seguem-se as direcções rigorosamente determinadas pela situação de póços e cisternas, sem cuja agua a vida seria impossivel no deserto.

Eram tres os inimigos de que necessitava defender-se a caravana, que percorria estas regiões malfadadas: a falta de agua, os nomadas e o simoun.

Para combater o primeiro, iam os açacaes —sakka– encarregados de conduzir sobre camêlos a agua contida em ôdres, e pelo caminho faziam novas provisões da dos depositos, que encontravam.

Contra os nomadas, ou tribus arabes, que vagueavam no deserto e viviam exclusivamente da rapina, vêr-se-ia a caravana obrigada a pegar em armas. Os nomadas eram sempre temiveis nos seus assaltos mui frequentes, pois que taes bandidos orgulhavam-se tanto de haverem roubado uma caravana, como um general europeu de ter bombardeado e conquistado uma praça de guerra; e, se não erguiam uma estatua ao scheick, por elles muito venerado, e que os conduzia á victoria, é porque na Arabia, a ninguem se fazia essa consagração.

O terceiro inimigo era talvez o mais perigoso e terrivel.

Quando o horisonte se avermelhava ao longe, tornando-se pouco depois todo o Céo plumbeo, a ponto de embaciar o disco do sol, que tomava então um aspecto sanguineo, e seguidamente a atmosphera se cobria de uma areia finissima, arrebatada pelo vento, como a espuma das ondas do mar embravecido, era preciso fugir a toda a pressa!

Rompia de subito a furia do simoun, agitando tudo!

O infindo areal do deserto cavava-se profundamente, açoitado pela mais turbulenta borrasca. Os viandantes, com o peito opprimido, os olhos sangrentos, os labios sêccos e abrazados, mal respiravam. Os camêlos, esses pacientes navios do deserto, desarvoravam, partiam á desfilada, zombando da vigilancia dos cameleiros, e guiando-se unicamente pelo instincto de conservação, paravam emfim, e occultavam a cabeça debaixo das areias movediças.

Se apesar do medonho remoinho causado pelo tufão, a caravana podia abrigar-se nas sinuosidades de algum rochedo, onde esperasse com segurança a calma da tempestade, salvava-se; se não tivesse refugio, e ficasse entregue á mercê da tormenta, homens e animaes perdiam toda a sua energia, toda a esperança de sobreviver os abandonava!

Suffocados pelo calor ardentissimo, e surprehendidos pela syncope, desfalleciam, caíam inanimes n'aquelle oceano de areia, que logo lhes servia de mortalha e tumulo, até que novo temporal viesse descobrir as ossádas d'essas victimas numerosissimas do implacavel e deshumano simoun!

De como Pero da Covilhan effectuou a sua peregrinação simulada, elle proprio fez a narrativa a D. João II em carta, que lhe enviou do Cairo.

Ao cabo de dois dias e meio, que seriam bastantes para vencer a distancia, que separa Djiddah de Mecca, assentaram o seu aduar no sopé de um dos montes, que cercavam a mãe das cidades, a Om-el-Kora dos arabes.

A todos os peregrinos, conforme os paizes, de onde partem, foi designada pelo propheta a estação, em que devem parar, antes da chegada a Mecca, para se prepararem a cumprir os ritos impostos ao bom musulmano.

Foi em Ras-Onardan, que fez alto a caravana, por vir de um porto do mar Vermelho. Era um valle comprehendido no recinto previlegiado, que se extendia á roda de Mecca a algumas leguas de distancia e denominado Beled-el-Haram.

N'esse verdadeiro oasis, alcatifado de verdura, regado pela agua que corre de suas nascentes, e onde a palmeira, vergando ao pêso de seus cachos de tamaras, sobresaía no meio de outras arvores fructiferas, como sendo o caracteristico predominante das paizagens orientaes, os homens da caravana fizeram uma ablução geral, chamada ghort, substituiram os seus trajos de viagem pelo ihram, o calçado pelas chinelas —besmak– , e perfumaram-se. As musulmanas tambem purificadas, cobriram-se com o seu grande véo, branco como o ihram, e denominado yaschmak.

Antes d'essa purificação o peregrino tinha o nome de hadji, depois d'ella era tratado pelo de mohrim; e as suas vestes ficavam santificadas pelo uso durante a romaria, sendo, ao termo d'esta, cuidadosamente guardadas, para servirem de mortalha ao seu possuidor.

A caravana assim preparada pôz-se logo em marcha, recitando pelo caminho – os homens em voz alta e as mulheres em voz baixa – muitas orações, terminando pelo Tebiya ou Lebbeika.

Entraram em Mecca e dirigiram-se processionalmente á mesquita, continuando as preces. Quasi ao pôrem o pé no immenso atrio do templo, e depois de deixarem atraz de si uma espessa floresta de columnas, que sustentavam arcadas numerosas, pronunciaram o tekbir e o tehlil, que consistem em dizer: Allah Akbar– Deus é grande; Lá lla illá lla– não ha outro Deus senão Deus; e ouviram exclamar a um dos pregoeiros —almuadens ou muezzinos, voltado para a kaaba: observai, observai a casa de Deus, a prohibida! E logo irromperam descalços, foram passar por baixo de uma especie de arco triumphal, approximaram-se da pedra-negraHadjar elaswad, para fazer o touaf, isto é, para dar sete giros em volta da kaaba, offerecendo sempre o lado esquerdo a este santuario, que se elevava no meio do atrio, e, conforme a crença arabe, o mais antigo templo consagrado ao verdadeiro Deus.

A mesquita —mesgid, guma'a, lugar de reunião, e tambem Beïttallah, casa de Deus, reduzia-se a um claustro —sakhn-el-gama, ou pateo aberto, formando um parallelogrammo perfeitamente regular, ladeado de porticos levantados sobre quatrocentas e noventa e uma columnas, umas de granito outras de marmore, e para o qual davam accesso dezenove portas, destituidas de bandeiras, dispostas sem ordem, irregulares emfim na sua construcção, pois terminavam umas em ogiva, outras em arco de volta inteira.

As arcadas d'onde pendiam lampadas, que todas as noites se accendiam, eram cobertas exteriormente por pequenas cupulas, a cima das quaes se elevavam sete minaretes, sendo quatro collocados nos quatro angulos do edificio, e tres de um modo irregular no comprimento das galerias formadas pelas arcadas.

A fórma e architectura da notabilissima kaaba não desmentiam, com effeito, a sua alta antiguidade. Era um cubo de uns doze metros de altura, com paredes do granito ordinario de Mecca, e na face voltada para o Norte uma pequena porta, cujo limiar ficava a uns dois metros a cima do sólo. Este templo apenas estava patente ao publico na sexta-feira de cada semana, dia guardado pelo muslim, ou de reunião —iom el guma'a, e tambem quando se celebrava o anniversario natalicio do propheta. Ao scheick dos anciãos, ou xaibins, pertencia abrir a porta. Para isto subia a uma especie de pulpito, que corria sobre quatro roldanas, em que terminavam os seus pés de madeira, e dois ostiarios levantavam a cortina, chamada Albarcá, especie de véo de purpura, que se extendia sobre a porta, e esta era, como a soleira, forrada de laminas de prata.

O povo, ao invadir a kaaba, rompia, de braços abertos e mãos erguidas ao Céo, na seguinte exclamação: «Abre-nos, ó Deus, as portas da tua misericordia e do teu perdão, ó maior dos misericordiosos!»

O interior do santuario era uma grande sala, cujo tecto sustentavam dois pilares, assentes sobre o pavimento lageado de bellos marmores brancos e pretos, dispostos em xadrez; as paredes forradas do mesmo modo, tendo por ornato apenas arabescos com letras de ouro e prata esmaltadas de um tom negro bronzeado. Numerosas lampadas de ouro massiço serviam para a illuminação. O exterior estava coberto por um immenso véo de seda preta, chamado Kesoua, que sómente deixava ver o sócco do edificio, durante os primeiros dias da peregrinação, e para isso suspendiam-n'o em fórma de grinalda por meio de cordões tambem de seda da mesma côr. Ao meio da altura de todo o véo sobresaiam lettras de ouro bordadas sobre uma larga fita igualmente preta, nas quaes se liam inscripções piedosas e textos do Corão.

Esta cobertura era renovada annualmente; e, como fluctuava em compridas dobras, os peregrinos tinham a crença de ser essa agitação devida ás das azas dos anjos, que voavam em torno da kaaba, e que levarão um dia o sagrado véo deante do throno de Allah.

A pedra-negra era o unico ponto da kaaba, permanentemente offerecido á devoção dos fieis. Perto da porta, no angulo voltado para nórdéste, achava-se encravada na parede exterior, e os seus lados embutidos em chapas de prata.

Esta famosa pedra tinha uma tradição veneranda. Muito tempo antes de Mahomet, beijavam e prestavam culto a essa piedosa reliquia todas as tribus arabes. Conforme as suas crenças, fôra trazida do Céo pelos anjos, e collocada junto de Abraham, para servir-lhe de escabello, quando o velho páe dos crentes estava construindo a kaaba. A Pero da Covilhan, porém, pareceu um fragmento de lava, contendo parcellas de uma substancia amarellada; ou ainda um aerolitho, formando um oval irregular de um vermelho carregado, que podia passar por negro.

Ella não tinha já a sua côr primitiva, no dizer dos arabes, pois no momento, em que tão milagrosamente desceu á terra, nenhum jacintho mais brilhante e de mais bella transparencia existia no mundo; mas os beijos de tantos homens maculados de iniquidades de toda a especie a tinham assim metamorphoseado.

No páteo da mesquita, e pérto da kaaba, elevava-se outra construcção quadrada, apparentemente massiça, mas de menores dimensões, do que o santuario. Cobria o manancial de Agar, mostrado por um anjo á pobre e afflicta escrava de Sara, errante no deserto, no momento, em que ella ia a tapar os olhos, para não vêr seu filho Ismael morrer de sêde, e denominado pôço de Zemzem, por designar esta palavra a fonte que bróta com suave murmurio. A sala, em que estava o pôço sagrado, era revestida de marmore branco, e de todos os lados recebia ar e luz por oito janellas. Um estrado de marmore cercava a fonte, d'onde se tirava a agua santa para a purificação.

Junto da pedra-negra começavam e terminavam os giros, durante os quaes os peregrinos iam recitando preces. No fim de cada giro beijavam a pedra, se isto lhe não fosse impedido pela affluencia dos crentes, pois no caso contrario tocavam-lhe com a mão, levando depois esta aos labios. Seguia-se beijar o nobre Alcamamo ou maquam d'Ibrahim, o qual consistia em uma pedra, onde se conservavam as pégadas de Abraham, e, por ultima ceremonia dentro da mesquita, bebiam agua no pôço de Zemzem.

Os peregrinos saíam finalmente pela porta de Safa, subiam á collina d'este nome, voltavam-se para a kaaba e recomeçavam as suas orações. Desciam depois lentamente ao valle Bathu-Onadi, situado entre aquella collina e a de Meroua, para executarem alli a marcha, chamada saï, que fazia parte dos ritos. Pronunciando estas palavras, voltados para a kaaba: «Ó meu Deus, sê misericordioso; perdôa os meus peccados, ó Senhor santo e clemente,» andavam em differentes direcções, para recordar a marcha incerta de Agar e de Ismael, expulsos por Abraham.

Cumpridas estas formalidades, regressavam á cidade, para esperar a festa, com que terminava a peregrinação.

Ahi, como em toda a parte afinal, o muslim cria estar sempre na presença de Deus, ainda que não entrasse na mesquita, e não deixava de rezar as orações quotidianas. Eram cinco: a primeira ao romper d'alva, e chamava-se Sabah Namazy; a segunda, Oilah Namazy, ao meio-dia; a terceira, Akindy Namazy, entre o meio-dia e o pôr do sol; a quarta, Acham Namazy, ao sol posto; e a quinta Yatzu Namazy, ao serrar da noite.

Precedia sempre as orações uma ablução parcial —woudou', que consistia em lavar a cara, as mãos e braços até o cotovêlo, e os pés até o artelho. Antes de começar a reza, o crente extendia no chão o seu tapete quadrado, collocava-se de pé sobre elle, voltava-se para a kaaba, estando em Mecca, ou para esta, em outra parte, conforme a quebla estabelecida por Mahomet; repetia o pedido de perdão —istigfar, elevava depois as mãos abertas, ficando os pollegares á altura e quasi em contacto da parte inferior das orelhas, e recitava a prece preliminar chamada tekbir. Passava ao fatihah, e pronunciava ao menos tres versiculos, ou ayat, d'esta oração, que é a primeira sura do Corão, collocando ambas as mãos sobre o ventre, a direita por cima da esquerda, e cravando os olhos no chão. Declamava o tesbihk, inclinando o corpo e a cabeça, e pondo as mãos nos joelhos. Endireitava-se, retomava a posição do fatihah, e assim se conservava um instante. Succedia-se uma prosternação —soudjoud, durante a qual repetia o tekbir e tres vezes o tesbihk, tendo a face voltada para a terra, os dedos das mãos e pés muito unidos, e a ponta do nariz a tocar no sólo. Erguia-se, ficava um momento assentado sobre os joelhos, as mãos nas côxas, os dedos abertos, e repetia o tekbir. Depois de uma prosternação ultima, saudava para a direita e para a esquerda os dois anjos da guarda, que, durante a oração, estiveram sempre em sua companhia, embora elle os não visse.

A serie d'estes movimentos e genuflexões constituia um rick'ah.

Quando eram muitos a orar, collocavam-se em filas, como soldados em frente do inimigo, porque realmente os musulmanos criam, ser a oração um combate contra o espirito das trevas.

No mez de schewal, que é o decimo do anno da hegira, e o primeiro dos mezes da peregrinação, accendiam-se as lanternas, as lampadas, e as velas da mesquita, bem como os candieiros das torres, illuminando-se igualmente o eirado do edificio, na noite do apparecimento da lua nova. Na manhã seguinte celebrava-se a oração da paschoa, pois que no mez anterior, o ramadhan, era a quaresma, durante a qual nenhum musulmano comia, nem bebia, senão de noite, isto é, desde o pôr do sol até o romper d'alva.

Chegado o primeiro dia do mez de doulkaadah, que era o undecimo, tocavam os tambores e timbales ao amanhecer e ao sol posto, em signal do abençoado ajuntamento dos peregrinos em Mecca, e assim se continuava até ao dia da subida a Arafat. No setimo dia o iman pronunciava do alto do mimbar na mesquita a khotbat-el-hadjï, isto é, uma allocução, em que explicava aos crentes as cerimonias, que sobre aquella montanha iam celebrar-se. No oitavo dia a caravana santa dirigia-se de madrugada ao valle de Miná. Este dia chamava-se de reflexão —Ianm terwia, alludindo á incerteza de Abraham, o qual, tendo recebido em sonhos a ordem de immolar seu filho, ignorava se tal sonho seria uma inspiração divina, se uma suggestão diabolica. Passava-se a noite no valle, e no dia immediato, depois da oração matutina, a caravana subia á montanha de Arafat, onde existia uma capella —turben, a qual santificava o sitio, em que pelo anjo Gabriel fôra ensinada ao páe commum dos homens a primeira invocação. Conforme o ritual, os crentes, depois de uma oração feita na propria kubba, armada no acampamento, iam esperar o pôr do sol, e entretanto o iman erguia os braços ao Céo, para invocar a benção sobre a multidão alli reunida, exclamando por fim milhares de vózes unisonas; Lebeïk Allahouma Lebeïk! Nós estamos ás tuas ordens, ó Deus!

Em seguida a turba immensa, que continuava vestida de branco, ao descer a Djebel Farkh, depois de ter passado em Monzdelifat, parecia uma catarata de espuma!

No segundo dia punha-se em marcha, atravessava Elmeschar-el-haram– o lugar consagrado, dobrava rapidamente, e em confusão enorme, o apertado valle Onadi-monhassar– o valle maldito, e chegava de novo a Miná. Atiravam todos para traz das costas, junto do Djamrat-el-Agabé, sete pedras do tamanho de uma ervilha cada uma, em signal de despreso pelo demonio, e gritando antes do arremesso: Bismillah!– Em nome de Deus!

Os sete seixinhos, que tomavam o nome de Hassiato-Aljemar, eram expressamente apanhados em Monzdelifat.

Depois de todas essas ceremonias podia cada peregrino sacrificar a victima, que trouxesse.

A caravana regressava a Mecca para visitar a kaaba, fazia nova romaria a Miná, e tratava logo de sair da cidade santa, antes de commetter algum peccado; mas não partia, sem voltar pela terceira e ultima vez á kaaba, a fim de celebrar os Thonaf-wida– procissões da despedida; ao pôço de Zemzem onde bebia agua e de onde trazia alguma, como piedosa recordação; e retirava-se finalmente pela porta do adeus —Bab-el-wida.

Mecca extendia-se em um largo valle, ou, melhor, sobre o sólo deseccado de um uâdi, que se inclinava suavemente do norte ao sul, e por onde raro corriam as aguas das chuvas, mas produziam ás vezes grandes inundações, indo depois perder-se nas areias, sem chegarem ao mar.

As montanhas escalvadas e tristes, que lhe ficavam a cavalleiro, lembravam sentinellas sombrias e mal ataviadas, a cuja guarda estavam confiados, por singular contraste, os thezouros da graça, que vão alli procurar os sectarios do islamismo. As suas ruas não eram, como em geral as das outras cidades arabes, estreitas e tortuosas, mas sim largas e traçadas com certa regularidade, ladeando-as casaria alta, construida de granito vulgar dos montes suburbanos, o que lhe imprimia um aspecto monotono.

Era abundante de agua, e a melhor para o consumo geral vinha dos tanques, cisternas e póços de Arafat, por um aqueducto, attribuido á bella sultana Zabaida, predilecta do principe dos crentes, o famoso califa Harun-al-Raschid.

Durante as peregrinações era a patria de Mahomet um centro de commercio muito rico, e de certo o mais variado de todo o Oriente, pois que em seus bazares accumulavam-se as producções de todos os paizes sujeitos á lei do propheta, e faziam-se negocios importantes.

No mercado diario, sempre fornecido de pão, fructas, hortaliças, legumes e carne, encontrou Pero da Covilhan rapazinhos orfãos, e desvalidos, que, mediante uma paga certa de pequenas moedas de cobre, denominadas foluzes, e do valor de quatro a seis ceitis cada uma, conduziam em duas alcôfas de differente tamanho, chamadas Magtalá, as compras feitas pelas pessoas, que quizessem utilisar-se d'esse serviço.

O pão não se assimilhava ao nosso. Com farinha diluida em agua sem fermento, e algumas vezes com pouquissimo, preparavam uns bolos mal cosidos e molles, como pasta, a que chamavam hops.

De alguns valles distantes vinham fructas e hortaliças; mas o que verdadeiramente abastecia o mercado era o porto de Djiddah.

Como a Pero da Covilhan parecesse extraordinaria a venda de pós aromaticos, mórmente nas immediações da mesquita, investigou a causa d'esse facto, e soube, que por costume andavam os meccanos sempre perfumados; mas nos mezes da peregrinação chegavam a fazer tão extraordinario uso dos perfumes, que muitas mulheres se privavam até de parte do seu alimento para compra-los, e, quando ellas vistosamente ornadas íam girar ao redor da kaaba, o aroma expirado por seus vestidos predominava de tal modo sob as arcadas da mesquita, que muito tempo depois de retirarem, permanecia alli o seu vestigio fragrantissimo.

Não menos interessante era o cuidado, com que as musulmanas se pintavam. A muitas d'ellas não satisfazia a côr natural dos seus cabellos, por isso os tingiam, velhas e moças, com o kohl, que do mesmo modo empregavam nas pestanas, bem como nas sobrancelhas, que não só ennegreciam, mas ampleavam e arqueavam graciosamente. Com a mesma tintura, applicada ás palpebras, esbatiam os olhos formosissimos; sem embargo, porém, d'esta affectação, consideravam o kohl um verdadeiro collyrio, e um remedio soberano contra as ophtalmias tão frequentes n'aquelles climas. Faziam signaes pretos na cara e nas mãos com um certo pó, que introduziam na pelle por meio de uma agulha despolida de ferro ou de prata; e ás mãos e pés davam uma côr rubro-alaranjada, servindo-se para isso de uma erva denominada elhene.

As pedras mais ou menos preciosas eram para as mulheres de todas as classes um amuleto, e talvez secundariamente um enfeite. Formavam como que uma pharmacopea talismanica muito curiosa e muito extensa.

Os trajos, posto que não fossem identicos em todas as partes da Africa, do Egypto, da Syria e Arabia, tinham na sua pequena variedade de fórmas uma grande similhança, ficando sempre reduzidos a uma especie de tunica e capa – o que sómente bastaria, á falta de outras provas, para demonstrar quão poderosa é a força das tradições na raça arabe.

As variantes do vestuario repetidas, no mesmo seculo, por outros povos, são o symptoma da mobilidade das suas idéas, e dos caprichos alternativos do seu gosto.

O trajo das mulheres apresentava alguma variedade unicamente nas classes abastadas. Nas outras classes, que são ainda hoje as mais numerosas, compunha-se geralmente de uma larga tunica —farmla, atada na cintura com o samla ou foutah, e um véo —tarbah, que cobria a cabeça e quasi todo o semblante.

Em algumas regiões a tunica era singelissima, sem signal de corpete nem de espartilho, artificios desconhecidos no Oriente, e cuja falta não sacrificava o pórte altivo e magestoso das mulheres das margens do Nilo, por exemplo, as quaes recordavam na sua elegancia, no seu peito saliente e nos hombros desempenados, as deusas da Grecia antiga.

Algumas mulheres deixavam vêr os olhos, e uma parte da testa; outras sómente um dos olhos; e ainda em outras o mysterio era absoluto, por isso pareciam verdadeiras estatuas ambulantes. Em compensação havia formosas musulmanas, que, muito embóra usassem a capa até aos pés, deixavam ás vezes cair artificiosamente o véo, regalando os olhos de quem as via.

Pero da Covilhan reprezentava um papel muito difficil; pois não podia esquecer-se, de que era christão, e, ao mesmo tempo, de que não deviam sequér desconfiar de tal aquelles que o rodeavam.

Quando ao apontar da aurora o muezzino, do alto de um minarete da mesquita, gritava: «vinde á oração, vinde ao templo da salvação; a oração deve ser preferida ao somno!» Pero da Covilhan extendia o seu tapete, sobre o qual ajoelhava voltado para a mesquita, e, fechando os olhos, fitava os da sua alma na Cruz Redemptora, symbolo augusto da sua fé catholica. Mas não havia preceito do Corão, que elle ignorasse e não cumprisse publicamente.

Apromptou-se a caravana para passar a Medina, em cuja mesquita repousam as cinzas de Mahomet. Os mercadores —gellabys, carregaram de provisões os seus camêlos. Os açacaes abasteceram-se de agua, e acondicionaram os seus tanques de pelles de bufalos, sem olvidarem o kyrba, ou gancho indispensavel para tirar pelo caminho a agua dos póços. Para os que por impossibilidade physica não estavam nas circumstancias de vencer o caminho, nem de apagar aluguer de transporte, havia dromedarios de sobejo e não lhes faltava tambem o alimento nem o remedio, pois a todas essas necessidades occorriam as esmólas dos ricos. Sobre o dorso de muitos animaes viam-se grandes caldeirões de cobre, chamados arraçuato, para cozinhar a comida nos aduares, os quaes eram illuminados por lanternas immensas, que serviam igualmente para as marchas, durante a noite. Em varios meharas enfeitados com collares de sêda, e o henné ou apparelho coberto com magnificos brocados, sobresaíam os attatouch, ou palanquins, para commodamente se recostarem as mulheres opulentas.

O alfange, o punhal —khamtscher, a faca, —bitschak, a lança, a alabarda e a maça, eram as armas defensivas da caravana.

A cidade do propheta Medinet-el-Nebi, distava de Mecca onze dias de jornada, atravéz de vastas planicies de areia, rochedos alcantilados e extensos, a par de rarissimos valles que permittiam a custo a cultura. E a toda essa immensa região, ingrata e bravia, em que estavam situadas Mecca e Medina, davam os arabes o pomposo nome de territorio sagrado, houdoud-el-haram.

Muito tempo antes de chegarem os romeiros a Medina, era-lhes annunciada a sua approximação pela alta cupula dourada, em que terminava o monumento funerario do propheta. Apenas entraram a cidade, dirigiram-se á grandiosa mesquita, sustentada por quatrocentas columnas e constantemente illuminada por trezentas lampadas.

O recinto venerado, que encerrava não só os restos de Mahomet, mas tambem os de seus successores immediatos, Abu-Bekr e Omar, denominava-se El-Hdjra. Composto de arcadas abertas, sobre columnas, era vedado até dois terços da altura por uma grade de ferro com intervallos estreitissimos.

O ataúde do propheta estava velado por um tecido de sêda bordado a ouro, sob um docel de brocado, seguro no vão de uma pequena torre adornada de laminas de prata. Esta torre, igualmente coberta com um panno de sêda e ouro, elevava-se sobre columnas de marmore preto finissimo, cingindo-a uma balaustrada de prata, em cima da qual ardiam continuamente perfumes em vasos do mesmo metal. Uma lua de prata, em quarto crescente, artisticamente lavrada e cravejada de pedras preciosas, encimava emfim o sepulchro do fundador do islamismo.

Em uma das faces do El-Hdjra existia um prégo de prata, junto do qual paravam os peregrinos, para fazerem a saudação competente defronte da face do enviado.

Ao pulpito da mesquita andava ligada uma tradição, a que todos os islamitas tributavam grande respeito. Dizia-se, que Mahomet prégava na mesquita junto do tronco de uma palmeira, e que depois fabricára o pulpito. No primeiro dia, em que subiu a este, inclinou-se o tronco para o novo lugar occupado pelo propheta, e com tal affecto, que podia comparar-se ao amor da camêla para o seu filhinho. Então Mahomet abraçou o tronco, exclamando: «se te não abraçasse, suspiraria inconsolavel até ao dia de juizo!»

O pulpito era feito de tamargueira.

Do mesmo modo que Mecca, Medina ia procurar longe os recursos, que lhe faltavam. Valia-lhe o seu porto, que era Yambo, situado mui distante ao sudoeste d'ella, no mar Vermelho.

Ao norte saía-se para um pomar de palmeiras, plantado por Fatima, filha do propheta, e pérto amontoavam-se as escorralhas de lava saídas da cratéra de Ohod, a montanha famosa, que deve, segundo a crença dos musulmanos, ser transportada um dia para o paraizo, como theatro, que foi, da victoria alcançada por Mahomet sobre os seus inimigos. A léste e a oeste elevavam-se tambem alguns picos, um dos quaes era o de Aïra, onde o propheta esteve préstes a morrer de sêde, e que será precipitado no inferno, conforme a crença. Ao sul prolongava-se a planicie a perder de vista. Raros pomares e renques de palmeiras juntos de póços, cujas aguas fossem sufficientes para as regar, moderavam de longe em longe a monotonia d'essa extensão pardacenta, onde as argilas alternavam com as areias e a greda.

Terminada a romaria, Pero da Covilhan retirou para Yambo, d'onde, embarcando em um zambuco, passou a Tor. Estava pérto do Sinai, que percorreu, e, voltando a Tor, d'aqui se dirigiu a Zeila.

Chegou emfim ás portas da Abyssinia.

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25 июня 2017
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